sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Uma noite com os Rolling Stones

Paro na esquina e olho para o prédio que conheço como a palma da mão. Estar ali era compulsão, o alimento num hábito diário que sempre me levou porta adentro mesmo que, antes tivesse a necessidade de ver o que passava lá dentro através de um dos muitos retângulos de vidros duma complexa armação de madeira. Sim, era essa a fachada, toda envidraçada e que causava ótima impressão vista de fora. Portanto, após verificar que não havia movimento no interior, entrei.
Olho para o relógio e ele diz que faltam dois minutos para as nove horas quando cumprimento o sujeito que está atrás do balcão. Ele me olha com expressão de enfado, essas do tipo; lá vem o mala,  mas como não sou um sujeito que não se abate com pouco escolho uma banqueta logo à sua frente e peço a minha bebida favorita. Provavelmente estejam questionando o que pode estar fazendo um sujeito cinquentão num lugar daqueles e nessa hora. Bem... deixar de estar ali se tornou impossível, pois não imagino o meu dia longe dali e das bebidas que tripudiam de minha alma mais que a meu próprio corpo. Claro, é hábito, e o que dele deduzo é que o vício tem a propriedade de encarcerar o homem nas paredes cinzas do seu EU, deixando apenas à mostra um pequeno visor para que possamos ter a dimensão do que se passa la fora.

É verdade também que algumas coisas naquele bar me mantem calmo, relaxado, assim como a parca iluminação que me remete num clima “noir” como os filmes da década de 50 estrelados por Humprey Bogart. Sim, me eram fatores desafiadores, mas como não pretendo ser herói de nada jogo um pouco de conversa fora com o sujeito do balcão e depois procuro uma mesa mais ao fundo. Escolhida, sento e retiro o notebook de 14 polegadas da minha pasta 007 imitativa do couro. Pronto! Era o que necessitava para percorrer o meu calvário, o ponto de partida à caça das palavras e ideias que conseguissem deixar o mundo das letras de pernas para o ar, quem sabe estaria nascendo ali uma obra literária das boas, quiça um best-seller. Todavia fiquei olhando para as teclas e elas mudas nada disseram. E isso me obrigava a refletir o quanto me sentia endurecido, talvez um caso para o tratamento de choque tal qual o  bife de segunda que necessita ser amaciado por um apetrecho especial. Essa era a realidade, e eu necessitava, mais que nunca exercitar o poder de criação, voltar a fazer arte, pois o que escrevi num passado distante jamais foi arte, e serviu apenas à poucas centenas de universitários que exalaram dos meus livros apenas o odor do álcool e do perfume barato nos quartos de prostituição.

Ainda sobre as reminiscências do vício e dos viciados, é certo que no mundo das chapações o álcool é a droga  lícita. E sobre o álcool afirmo que tudo se faz engodo, e eles dizem - "Beba com moderação" - "Ao beber não dirija" - E aí está a grande farsa, pois se estivessem preocupados com a nossa saúde ou sanidade proibiriam as indústrias da bebidas e pagariam o nosso tratamento em clínicas de reabilitação. Entretanto isso não importa ao governo, e o que conta são os altos impostos  pagos, mesmo que reconheçam que o álcool estará devorando teus miolos com maior rapidez que te inutilizará o fígado.
Enfim, é isso, e a bebida e o bêbado são máculas da sociedade, e nada que deve ser renegado, nem os exageros que cometemos, apesar que, pessoalmente, me sinto recriminado pelo bom senso quando ele me na posse de alguma lucidez. E os seus protestos são duros, pois o bom senso detesta te ver exposto às situações ridículas, como nas vezes que, embrigado abandonava a mesa e me dirigia a jukebox empurrando fichas no seu interior até fazê-la vomitar um tango de Carlos Gardel. Não, não é o que pensam, não sou saudosista ou apreciador de tangos, aliás, nem deles eu gosto, Todavia ainda criança ouvia os programas de rádio junto de meu pai, e o carismático Gardel cantava sua voz anasalada, e aquilo sempre me  impressionou.

Assim,  ao começar a música eu caminhava trôpego para o meio do salão e ali me rendia às infindáveis tentativas de bailar o tango. Certo também é que por vezes surpreendia, e as pessoas acreditavam que eu iria até o fim, porém o álcool com sua personalidade devastadora fazia colidir as minhas pernas estatelando-me ao chão. Eram horas que me sentia na pele assim dum boxeador castigo duramente na região da cintura, e lá do chão eu olhava para o alto como se esperasse a ajuda de Deus, entretanto o Todo Poderoso nunca me levou a sério e me largava na própria conta. E ainda no chão o ar parecia faltar, mas não queria me ver derrotada, e tentava levantar, e em algumas ocasiões quase que consigo, mas na maioria das vezes precisei da ajuda dos braços dos clientes para novamente estar em pé.
No entanto passado o constrangimento o que cravavam em mim era a marca do idiota, um sujeito selado selado á ferro quente que se oferecia ao escárnio das pessoas, mesmo que estas soubessem que haveria condescendências para mim, afinal ao escritor tudo é permitido, e eu sou um escritor.

Sim, igualmente sei que sou polêmico, melhor dizendo, somos todos polêmicos. E a polêmica retira o estilingue das nossas mãos e nos transforma na vidraça que se estilhaça às críticas, pois senso comum é conceituarem-nos o pelo local que frequentamos, com quem andamos, ou pelos atos que cometemos. Assim, aprendi que tanto faz o ódio ou o apreço que nutram por mim, e estar ali ou num bordel seria perfeitamente suportável e normal assim como são os suores frios deixados em cadeiras de dentistas. Também é bom estabelecer que não pretendo ser revolucionário de nada, não sou do contra e nem pratico a discriminação com os ditos “normais” pois se me dissessem que naquele momento pessoas estariam bebendo café, leite, sucos, deglutindo frios, frutas e croissant, acharia tudo absolutamente normal, apesar do nó no estomago só ao pensar.

Enfim, tudo, inexoravelmente tudo será passível nesse mundo de Deus, até o fato de eu ser o único bêbado naquele bar. Aliás, minto, eu não estava só, pois havia a mulher acomodada numa mesa mais adiante. Bato os olhos nela e talvez ela estivesse na casa dos 43 ou 44, e logo percebi suas pernas grossas e fartos cabelos negros. Curioso, olhei-a com atenção e a notei otimamente vestida num blazer e saia, cinza. No pescoço circundava uma echarpe rubra e de tecido leve, e isso lhe conferia certa sofisticação. Evidente, me foi possível observar as suas pernas porque elas estavam desnudas em 10 ou 12 centímetros acima dos joelhos. Inspecionando-a melhor pareceu-me estar numa espécie de transe onde o olhar se perdia num ponto obscuro do passado. Ainda mais instigado pela curiosidade aproximo de sua mesa e lanços os olhos para o chão como se procurasse por algo perdido. E é nesse caminho que ergo o meu rosto e estou tão próximo que percebo como são bonitos os olhos negros num rosto que se adorna nas linhas suaves apesar das poucas rugas. Porém no frigir dos ovos o que me impressiona nela é a sensualidade dos seus densos lábios tingidos por um batom avermelhado. Afixo-me neles e era como pedissem para serem tocados.

Ainda vivia o a tensão dos terrenos desconhecidos quando repentinamente seus olhos avivam, e ela lança o olhar para o teto e balbucia algumas palavras esparsas e depois frases completas. Não que me fossem todas audíveis, mas, as entonadas com contundência foram as que consegui ouvir com maior clareza. A voz parecia golfar dores e lamentos:

- Cara, por que teve que fazer isso? Por que tinha que ser assim? – Era o que questionava. Suas palavras esfaqueavam o ar como se fosse a chaga de um mundo mau.

Depois gesticulou as mãos espalmando-as para frente, empurrando alguém imaginário, evitando sua aproximação. Observo e tento ser discreto, no entanto foi impossível não sorrir, afinal eu reconhecia os loucos, e ali estava um, já que era pródigo ao aproximá-los. Falar sobre a insanidade sempre me foi apaixonante assim como suportável a sua inevitável e pública demonstração. Tenho cá com meus botões que é terrivelmente enfadonho passar pela existência sem jamais termos optado por ela, mesmo que por momentos.

-O que está olhando com essa cara de tolo? O senhor me causa repulsa com esses seus olhos loucos e indecentes! – Ela exclama á queima roupa – Estranhei, pois mal começara a beber. 

A rudeza da constatação me pega de surpresa, no entanto sou vivido e a enfrento ao concentrar-me em seu olhar altivo, superior, talvez filho bastardo dum autoritarismo que nela parecia prenunciar. Por instantes permaneço reflexivo, pois há verdades que jamais sucumbem, tal como a necessidade que o louco tem em te fazer sentir que és mais louco que ele. E assim afirmo porque também além dos traços da loucura me é usual o mesmo tipo de padrão comportamental. Em suma era esse o caso, e aquilo me irritou, e tinha urgência de me posicionar, afinal fora mencionado de modo depreciativo pelas questões da mulher

-Olha dona, vai me desculpar, mas não me julgo indecente e nem tão pouco bobo ou louco! É bom que saiba que estava apenas observando – Respondi de forma pausada e reticente tentando demonstrar a opulência do equilíbrio emocional. Claro, menti, apesar de que a mentira jamais foi privilégios dos bêbados, drogados, ou mesmo, dos tão unicamente loucos.

-Observando é? Sei... – Devolve com a mesma reticência, alem duma generosa dose de pouco caso. Estranho, algo nela me levava às salas duma Universidade.

Em seguida desativou o olhar de mim e se concentrou à mesa na procura de deficiências na madeira até identificar pequenos orifícios, os quais os alargou escavocando com o grampo dos cabelos. Até aí tudo bem, pois recordo que sempre fiz das minhas ao estar ébrio. Rememoro que ali mesmo e há muitos anos costumava subtrair os rótulos das cervejas, e molhando-os juntamente como essas bolachas de papelão que se fazem suporte, os arremetia para o alto na tentativa de colá-los no teto. Sim, eram momentos de expectativas e dificuldades, mas,  depois de alguma insistência conseguia o objetivo com  o “ lance perfeito” E la estava ele selado ao teto, e me sentia vitorioso qual o americano que cravou a bandeira no  lua. Depois de tanto esforço e  sucesso tudo era motivo de festa, e eu volteava o banco concretado ao piso como um guerreiro indígena conclamando seu povo à luta. E então eu ria e gargalhava, e não me amedrontava com a cara de poucos amigos do Sr. Finley que, diga-se, jamais deixou passar passar em branco:

-Além de bêbado o senhor é uma cabeça de vento! Não percebe que não é mais um garoto? -Protestava formal, mesclado entre o português no seu inglês.

Ah sim, falemos do Sr. Finley, o dono do bar. Natural da Inglaterra estava há 25 anos no Brasil, e há 20 adquirira o estabelecimento. Lembro das datas porque fui marinheiro de primeira viagem naquele bar, antes um reles boteco, depois transformado num tipo de Pub que, segundo o Finley seguiu o padrão dos bares de Nottingham, sua cidade natal. Portanto eu estava acostumado às contestações do Sr. Finley antes meus bailados e rótulos, ocasiões que, munido da severidade no olhar tentava me amedrontar. Claro, era pura besteira e perda de tempo, pois decorridos alguns minutos terminava por sorrir-me compreensível, afinal os donos de bares que não compreendem ou aceitem a loucura jamais obterão sucesso nos negócios, e ele assim como tantos outros donos de bares nunca desconheceu o fato.
Bem, depois depois desses videotapes mental e da curta e ríspida conversa com a moça autoritária permaneço no silêncio e sorvo lentamente a minha dose de Smirnoff. Tudo parecia voltar à realidade e me preparava para retornar ao balcão quando, novamente a mulher se manifesta. Dessa vez o seu olhar e dedo indicador apontavam para mim.

-Por acaso o senhor já se apaixonou por alguém 25 anos mais jovem? – Surpreso a olho e ainda vejo loucura em seu olhar. Agora sim a ficha caia e tudo fazia sentido ao poder compreender os motivos da agressividade.

Fiquei pensativo por alguns instantes, não que isso denunciasse em mim alguma paixão por uma jovenzinha de sorriso malicioso ou de bumbum empinado, não, ao contrário. O que fazia mergulhar nos pensamentos era a questão humana e as concernentes a ela. E um termômetro apontava que aos 25 anos o homem não atina para o fato de que após decorrer 20 ou 25 anos poderá dar de cara com uma guriazinha que acaba de ser parida numa maternidade qualquer. Avanço no raciocínio e a temperatura sobe ao chegarmos nos 35 do homem enquanto a garotinha brinca com suas bonecas aos 10. O que se falar sobre isso? Nada, salvo concluir que ela tem a idade para ser uma linda sobrinha. Porém a temperatura avança e tais diferenças começam desaparecer quando o homem atinge os 45, e que nessa idade veria a tal garota, agora aos 20, com um olhar diferente, pecaminoso até, ainda mais diante duma devastadora minissaia, moldura perfeita para um bem torneado par de pernas juvenis. Todavia e apesar das inquietações que a garota possa estar causando ainda se vê adepto das mulheres dos 30 e tantos, pois lhes parecem ter mais maduras de conteúdo e bagagem, portanto refreia seus  impulsos.

Bem...e aí o homem alcança os 50, e o termômetro aponta para uma temperatura difícil de ser combatida, pois o capricho do destino lhe prega uma peça e o acaso faz a jovem habitar o seu cotidiano, admitida que foi pelo RH de sua empresa. Ao vê-la, surpreso, constata que ela está esplendorosa aos 25. E é esse o instante imprevisível, pois na angustiante ansiedade diária de pousar seus olhos na garota o fazem supor apaixonado. Há o flerte, o encantamento, e ela tão jovem, atraente, ele, boa pinta, sedutor. E há todo um tsunami de sensações, e essas ondas tragam a vida de ambos, e ele abandona os filhos e uma esposa balzaquiana lapidada por dietas e cirurgiões. Talvez nesse novo relacionamento haja amor, paixão, talvez não haja nada, apenas acomodação de interesses, egos.  O dele se prostrando à juventude, e ela à experiência e refinamento daquele sujeito grisalho e de bom gosto. É óbvio que as esposas, mesmo que mantenham a ótima aparência jamais concorrerão com a exuberância dos 25. É óbvio também que não estou afirmando que esta é a regra. Não! Não é. Há e haverá exceções e serão vividos ótimos e duradouros relacionamentos mesmo com a visível diferença entre suas faixas etárias.

Porém como exclusões também não se constituem regras, o mais comum são os relatos dos casos dramáticos e que seguem a previsibilidade.  Sendo assim vamos em frente com o caso, pois agora ele se vê refém daquela garota que o faz sentir tão jovem. Para ele nesse instante tanto faz ou faria se ela estivesse 18, 19, 20, pois seria nada mais que mero detalhe. E ele mergulha sem máscara no jogo da sedução, dos galanteios e das ofertas de presentes, (muitos, caros) E ele se sai bem, pois a experiência está a seu favor. Porém existirão coisas que não foram pesadas numa balança de precisão, pois repentinamente a juventude passa a aflorar nele o ciúmes, a possessão, há algo doentio e inesperadamente já não há a certeza de que aquele corpo escultural seja somente dele. Enfim, e para o azar daquilo que já não está bom, nada mudará o fato de que ele está com alguém 25 anos mais jovem. E é neste ponto que desanda a maionese e o relacionamento passa ser um forte candidato ao naufrágio. E se naufragarem, para ela a vida será apenas a continuação, possivelmente o desemprego a a procure gente de sua idade, do seu meio, afinal, os mais velhos lhe parecem complexos e desinteressantes. Para ele talvez os fatos sejam mais cruéis e rudes, pois poucas pessoas estarão dispostas a perdoá-lo, mesmo que afirme que andou com a cabeça nas nuvens. Todavia se acostumou à juventude, portanto haverá o consolo da ciência e seu avanço, uma mãozinha extra de drogas que permitam que usufrua uma virilidade quase milagrosa, evitando assim que sucumba à humilhação total...

-Psiiiu! Você ouviu o que falei? Você se imaginaria tendo um caso com uma garota de 25 anos? Já parou para pensar o que isso poderia representar? – Ela questiona raptando-me dos pensamentos. Os olhos agora não parecem tão duros.

-Não dona, não parei pensar não. Deve ser muito complicado – Devolvo laconicamente. Algo me dizia que a exposição do meu ponto de vista talvez não fosse do seu agrado.

Enfim, quem poderia me afirmar se o caso inverso não fosse o dela? E se assim fosse quem ficou abandonado no apartamento de quatro quartos e três suítes foi o marido cinquentão, grisalho e executivo. Não é de duvidar que à reboque haja um filho de 17 vestido numa negra camiseta do Ozzy Osborne. Portanto sem a certeza de nada procuro evitar juízo de razão.

-Pois é! Homens nunca pensam em nada! Só querem aproveitar – A voz quase esganiça num soluço breve. Era notório que existia o sofrimento.

Entretanto nada poderia fazer, pois é o tipo da dor que se combate como um único antibiótico, e esse medicamento miraculoso é o tempo, é o deixar passar, é o dia após o outro. E também ficar olhando para ela com cara de idiota não resolveria a questão.

-Dona, posso me sentar à mesa? – Pergunto, já que a companhia parecia a melhor opção. Ela olha surpresa.

-Por acaso o senhor tem 25? – Eu sinto o sabor do deboche.

-Não – Devolvi já dando as costas à caminho de minha mesa

-Bem...então pode! – Ela exclama se vestindo duma gargalhada que, notei, esforçada. Penso sobre aquilo e concluo que além de louca é esperta.

Com gestos comedidos puxo a outra cadeira e me acomodo enquanto ela, sentada, volta o corpo e suspende a alça da bolsa  que se dependura no encosto da cadeira. Já com ela em mãos revira o interior e procura sabe-se lá o que, afinal a bolsa de uma mulher tem a capacidade de guardar o universo. Segundos depois e objetos retirados ela repousa na mesa a carteira de cigarros, o isqueiro e um celular de tamanho considerável. Em seguida acende um e liga o aparelho tocando em alguns dos seus comandos e concentra-se na espera de algo. Inesperadamente o seu sorriso, e ela me oferta o celular e eu o pego com a mão direita enquanto que, com o dedo indicador da outra mão tento centralizar os óculos no nariz. Olho para a tela e a imagem é de ótima resolução. Sim, claro, sorrio, pois aquilo nada mais é que coisa de burguês, não a foto, obviamente, mas o Iphone de última geração.

-É ele! André! 21 anos! – Olho outra vez e cravo a imagem e vejo um rapaz bonito e de sorriso atraente, desses que parecem dizer: Hey, ta tudo bem! Sempre estará tudo bem!. Procuro mais detalhes na imagem alguns deles me remetem à infância, talvez  o seu par de covinhas nos cantos da boca, não sei... Penso em fazer algum comentário elogioso, porém acredito que o instante seja  inapropriado.

-É por causa desse maldito que estou desse jeito! – Ela mastiga as palavras ao acender outro cigarro. Eu a olho perplexo, pois deixou de ser comum pessoas acendendo cigarros em shoppings, bares e afins. Ela percebe a minha surpresa.

-Ih, não vá me dizer que é mais um desses castradores dos fumantes...Se for..foda-se! – Ela sentencia para meu desapontamento. Definitivamente a retiro da lista dos espertamente loucos e a coloco numa nova divisão, algo mais ou menos como a dos porra-loucas.

-Não, não dona! Também sou fumante...é que a legislação municipal estabelece que... –Ela não me deixa terminar

-Danem-se as imposições municipais, estaduais, federais. Danem-se as autarquias, os protestos e pretextos. Quero é que todos se explodam! – Ouço-a em silêncio procurando me isentar de qualquer expressão facial, afinal, não pretendia ser achincalhado por outras de suas observações.

Sem nada comentar levo meus olhos para a madeira da mesa e reparo nos pequenas crateras que ela alargou e também em seu copo e no pouco líquido que nele adormece. Tentando ser feminina  se apodera do copo de forma delicada e dá uma longa tragada fazendo desaparecer a bebida trnsparente. Após estala os dedos.

-Hey Tony Blair, mais um duplo Absolut e meio copo de soda. Ah...não se esqueça do gelo, muito gelo! – Solicita como um estivador ao prestativo dono do bar.

Aproveito a ocasião e também peço mais uma dose da minha. Era evidente o nosso abismo social. Olho outra vez e agora ela está numa guerra com os comandos do celular, todavia sorri ao novamente achar o que procurava.

-Eis aqui um outro meu amor! – Ela diz passando-me de novo o celular. Olho para a tela e na foto a Sra Porra-Louca surge enroscada no pescoço de um rapazote de compleição atlética e aparência adulta, inclusive mais até que o garoto da foto anterior.

Uau! A mulher era simplesmente um “papa-anjos”  a Messalina dos tempos cibernéticos–  Tive que concluir pelo suposto tom de intimidade que a foto me sugeria

-Esse é Carlos, 18 anos, meu filho! – Ela sentencia agora numa tonalidade suave e onde não mais parece existir o olhar da loucura.

-Ah sim! Aquele com a camiseta do Ozzy? – Pergunto aliviado sem lembrar-me de que foram os meus pensamentos que assim vestiram um rapazote até então fictício.

-Ozzy? Cê tá louco cara? Por acaso você está falando do Ozzy Osborne, o vocalista do Sabbath?

-Sim, dele mesmo! – Confirmo. Obviamente não confessaria para ela que, apesar dos meus 50 e tantos eu era um fanático por rock progressivo, principalmente o dos anos 70, entre eles as bandas Deep Purple, Led Zeppelin e Black Sabbath, afinal, o que ela poderia pensar?

-Não meu amigo, não é bem isso não. Do rock e do Ozzy Osborne gosto eu! A praia do meu guri é outra, pois somos apostos no quesito musical. Deve ter ouvido falar em Daniel, Gean & Giovani, Zezé Di Camargo, e outros desaforos musicais... – Ela diz num tom inconformado derrubando os ombros em desânimo.

-Hahahahaha – Sim, foi a minha resposta, a primeira gargalhada em dias.

Depois das risadas pareceu criarmos alguns vínculos de cumplicidade, então conversamos bastante e rimos um bocado quando soube que eu também era chegado num bom e velho rock in roll. Riria também com um caso que lhe contaria em seguida, já que ao recordar as questões das fotos afirmei que não apenas nós, mas também os animais praticam aquilo que denomino como “síndrome dos fatores e imagens associadas”

-E com os animais, que fatores poderiam ser esses? – Quis saber, Seus olhos brilhavam mais curiosos que ébrios.

Mesmo depois de algumas doses o seu corpo se mantinha ereto, e ela tinha classe e bebia como poucas. Mais uma vez molhou a boca no copo e me surpreendia, pois não me mostrava os efeitos da bebida, e mesmo estando “tocada”  praticava a nossa língua e de forma precisa, sem as palavras arrastadas ou o queixo caído dos bêbados. Aproveitando o tema "Síndrome dos fatores e das imagens associadas" mandei ver:

-Tá bom! Vou citar um caso sobre velhos amigos meus. Dylan e Janis – Comecei após um pequeno gole na bebida – Bem, é um casal de chipanzés abrigado no zoológico municipal. Aliás, sobre eles eu os conheço há uns 6 ou 7 anos... e esse nome fui eu quem os dei, já que acho muito chinfrim seus nomes oficiais, ou como são por lá conhecidos; Frederico e Margarida –

Nesse ponto da narrativa pauso, retiro um cigarro do maço que estava sobre a mesa, olho para o Finley, e ele como parece não se importar dou uma longa tragada até me arder o peito. Depois ergo a cabeça num ângulo perpendicular e, abrindo os lábios expilo rodas de fumaça. Ela parece se divertir vendo os pequenos círculos de fumaça levitando no espaço e tenta fazer o mesmo, porém engasga na primeira tentativa.

-Você está me enrolando assim como essas rodas de fumaça! Conta logo essa história, homem! - Ela sorriu demonstrando ainda o ranço da altivez. Bem, talvez fosse o seu jeito, nada mais que isso –  Concluo. Então continuei;

-Bom... lembro que há muitos anos atrás estive por lá e me juntei aos visitantes para olhar os macacos, já que sempre é divertido notar suas reações. E o pessoal atirava amendoins, pipocas, balas e outras coisas, apesar do cartaz que pedia para não alimentarmos os animais. Bem, já era tarde e o zoo estava para findar as atividades e os visitantes começavam a se retirar e eu permaneci ali olhando pare eles. Repentinamente me deu uma vontade de voltar a ser a criança transgressora. assim, retirei alguns salgadinhos da embalagem vermelha do “Baconzitos”  e atirei para o Dylan, já que seus colegas haviam se recolhidos mais ao fundo da jaula. Os petiscos atravessaram a tela de arame e foram parar próximos a ele que, sem titubear levou-os à boca...-  Outra vez pauso a narrativa e ela me olha atenta. Aproveito o situação e trago, não o cigarro, mas outra parte da minha bebida.

-Anda! Conta, conta logo isso! – Ela solicitava, ansiosa e divertida, agora com os olhos negros  mais reluzentes que nunca.

-Sim...Depois que Dylan comeu os salgadinhos, esmurrou o peito por quatro vezes e saiu em disparada para o final da jaula. Fiquei observando as suas reações e foi então que arrebatou  Janis no meio dos colegas ou parentes e a trouxe até onde eu estava. Agora a coisa mais louca aconteceu - Outra vez fiz a pausa para lhe observar as reações. Não demorou:

-Anda, anda! Quer me matar de curiosidade? - Ela protestava

-Bem...foi então que ele praticou o sexo mais louco e selvagem que presenciei, e a  Janis se empolgou, pois provavelmente jamais viu o parceiro naquelas condições. E o estranho é que depois disso visitava-os regularmente, ocasiões que lhes atirava pipocas, amendoins e outras bobagens, e não havia no Dylan ou na Janis qualquer reação, apenas comiam e me olhavam desinteressados. Entretanto, era verem a embalagem vermelha dos Baconzitos, aí, bem, aí tudo se transformava, e eles agiam frenéticos e gritavam sem parar ao chacoalharem a tela de com violência, insanos.

-Nossa...que história mais louca! – Hum...síndrome dos fatores e imagens associadas...interessante isso, muito interessante – Ela conclui sem me parecer convencida.

Depois disso bebericamos lentamente mais algumas doses e conversamos sobre outra infinidade de assuntos, ocasião em que relatou a sua má história da paixão nutrida pelo garoto da foto. Resumindo, eram quase duas da tarde quando ela resolveu ir embora. Nos despedimos com um aperto de mãos e olhares cúmplices, ocasião em que retira um cartãozinho da carteira. Antes porém rasga com a mão a parte superior. "Não precisamos de nomes" - Ela diz - Acho engraçado ela devolver para o interior da bolsa o pequeno pedaço extirpado. Olho para o cartão e nele consta o número do seu celular

-Isso é pra quando você quiser jogar um pouco de conversa fiada! - Disse e sorriu tímida. Depois rumou para o balcão.  Vi quando conferiu as comandas apresentadas pelo Finley deixando sob o balcão um par de notas de 100.

-Psiu! Paguei suas bebidas! - Ela me comunicou de longe. Agradeço com aceno de mão e ela devolve o gesto.

 Assim que  saiu do estabelecimento me desloquei rapidamente aos retângulos de vidro da janela e a vejo entrar no estacionamento do outro lado da rua. Aguardo dois minutos e a flagro ao volante de uma Mercedes Benz, fato que confirmava que aquela mulher jamais seria para o meu bico. Logo à saída do estacionamento vira à direita e tento acompanhar o carro até onde os pequenos retângulos permitem. Seu cartão ainda está em minha mão e o roço em meus lábios e ali mesmo sinto a suavidade dum odor feminino, e não me surpreenderia, claro, se o perfume fosse francês. Penso nela e em sua presença no bar, bebendo desde horário tão cedo, e imagino que ela tenha dado ali ao caso, talvez pela necessidade de beber e  esquecer o garoto e as poucas horas antes, talvez a derradeira madrugada passada num motel de lençóis alvos e espelho no teto. Abandono as conjecturas e retorno à realidade e guardo o cartão na carteira e dirijo-me para a mesa. Ali, mais uma vez retiro a carteira do bolso e sacando o cartão fico olhando-o com certa esperança, um cartão estranho, sem nomes, mas tão somente números de formas arredondadas e no tom róseo. Apesar da vontade, jamais liguei. 

Num sábado, decorridos dois meses e meio ao encontro no bar o telefone dispara. Tudo bem, aguardava uma ligação do “Semanário News” um jornal de tiragem semanal que abrangia à parte oeste da cidade, já que se mostraram interessados em minhas crônicas. Sobre elas, talvez o interesse se deva a algum editor saudosista que conheceu as crônicas que escrevera com relativo sucesso para um semanário de outra região da cidade, isso há coisa de 10 anos. Bem, quanto à  proposta, não que fosse uma boa bolada, não, não era, mas ajudaria nas despesas.

-Alô, pois não? – Atendo. Do outro lado a voz de uma mulher, e parece amistosa.

-Por favor, aí é da residência do Sr. Dru Cavani?

-Sim, ele mesmo – Confirmo.

-Olha Sr. Dru, está intimado à comparecer com sua Palio Weekend verde, placas AEP0353 à Av. Moema 578 apto 71 às 20 horas para acompanhar-me ainda hoje num show que os Rolling Stones darão em Sampa, precisamente no Credicard Hall. Não se preocupe com os ingressos. Tenho um par de camarotes!

-Como assim? –  Estou incrédulo

-Sim, e por favor, anote o endereço e não se atrase, pois o show começará por volta das 22,30! Estarei à porta do edifício trajando calça jeans e uma camiseta branca. Os cabelos agora estão ruivos e levarão um leve arranjo floral.

Estou atônito. Em todo caso também tinha os meus truques, mesmo que por vezes blefasse.

-Tudo bem doutora Carolina Ferraz Albuquerque, passarei sem falta no horário determinado! À propósito, a tua Mercedes negra, 2014 está acamada? – Devolvo e largo-me numa boa gargalhada.

Ela também ri, e repentinamente tudo me parece bem, pois eu simplesmente falava com a procuradora geral do Estado de São Paulo, já que dias após o encontro no bar e ao acaso reconheço a sua imagem na reportagem de um grande jornal de São Paulo. Outra vez a sua voz anuncia algo, e o tom é amistoso, carinhoso até. Ela diz:

-Ah, estou me esquecendo que tenho um recado do Sr. Dylan e  Madame Janis - Depois da breve pausa, continua - Você não sabe, mas, nesse intervalo andei visitando as celebridades, não só eu, mas também embalagens vermelhas de Baconzitos. Mas, vamos ao recado; Eles pediram pra que te dissesse que eu e você somos o casal mais bacana que eles conheceram. E também estão exigindo a nossa presença – Carolina concluiu divertida, enquanto para mim só restou outro riso e a saudade.

Antes que desligássemos conversamos mais um pouco, e foi quando soube que andou procurando alguns exemplares dos meus livros, porém não os encontrou nas livrarias, talvez até pelos mais de 25 ano foram publicados. No entanto a persistência recorreu aos sebos e num deles encontrou os dois volumes; “Entrevistando um grande escritor” e “Uma trepada num elevador de bairro judeu” os quais leu e disse ter impressionado. Não contente levou meus livros para uns amigos editores (dos grandes, segundo ela) e disse que eles também se entusiasmaram, e que em breve farão contato para agendarmos uma reunião. Enfim, ótimas notícias é que não faltaram e talvez ver os jurássicos Rolling Stones com os septuagenários Mick Jagger, Keith Richards e ainda pulsando rock não fosse a grande ou o mais importante acontecimento da noite. E sobre isso era bem provável que Dru Cavani e Carolina Albuquerque tivessem a mais absoluta certeza.

Em resumo, tinha que correr para não me atrasar, pois daria um pulo na Galeria do Rock à procura duma bela estampa do Led Zeppelin numa camiseta de tamanho GG, afinal a última vez que me colocara uma daquelas fora no início dos anos 80 quando vestia as de tamanho "M" e tinha os cabelos longos além de curtir o movimento. Prevenido passaria também nas “ Lojas Pernambucanas” pois a ocasião requeria uma “Zorba” boxer, negra. Claro,  não que contasse que algo fosse ou pudesse acontecer, mas a vida é suficientemente sábia e te alertar que, se aqui está é para que possa  manter-se atento e esperto, pois às vezes ela te levará à encruzilhadas, e lá poderá existir a guerra silenciosa entre a vida e a morte, portanto matar ou morrer será apenas uma questão de tua escolha, e eu precisava me manter mais vivo que nunca, antes e depois do tal concerto.
Antes de sair à procura da juventude perdida abro o refrigerador e retiro a garrafa e me sirvo duma ótima vodca polonesa que ganhara de presente.

- A tua saúde, Dru! Eu digo para mim mesmo e sorrio.

Ao terminar o drinque passo pela sala faço um carinho na cabeça de Hemingway, o meu gato persa. Não que ele tenha sorrido de volta, isso não, mas o conheço o suficiente, e ele é meio mágico, adivinho, e às vezes acho que ele sabe sobre todas as coisas, principalmente o passado e futuro. Sim, eu e Hem somos grandes amigos, cúmplices até, sei o que pensa, como age, sei das suas manias e trapaças. Ele soergue a cabeça e gosta da carícia dos meus dedos entre seus pelos, depois olha bem em mim e mia, não uma, diversas vezes. Sei que que há espantos naqueles longos miados, e ele está ansioso, e eu posso compreender o que me diz -  "Ah patrão, pelo jeito tu andou conhecendo uma das boas" -
Volto a sorrir, e antes que feche a porta da sala e ganhe o hall dos elevadores olho para o Hem e ele boceja, irônico, preguiçoso, previsível como sempre. Ainda pude ouvi-lo uma última vez antes de abrir a porta do elevador:


-Vai lá patrão, com calma!  Mas dessa vez pague a conta, por favor!



Copirraiti 16Jan2014
Véio China©

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Entrevistando um grande escritor... ( Uma história forrada de nostalgias, críticas, e garrafetas de vodca)


Tudo aconteceu muito rápido, e penas chegou e me flagrou num banco de jardim, precisamente no Parque da Luz. Mas não foi somente este o fato, e evidente, surpreendia-me  as vigorosas estocadas do seu indicador no lado esquerdo do meu ombro. Incomodado, remexi-me de um lado para outro e ele me pareceu perplexo, talvez  até por ter-me surpreender-me (antes do susto) num diálogo absurdo com a árvore cravada atrás de mim. Provavelmente o sujeito não soubesse ou, quem sabe, achara que eu enlouquecera por completo. Mas não era nada disso e apenas criava cenas e as falas das minhas novas personagens, estudando meticulosamente cada um dos movimentos, já que  fariam parte do meu próximo livro.
E em se falando do  romance, o mais provável é que contasse com o ovo no cu da galinha, pois nem mesmo me dera ao trabalho de sair à caça de algum maldito editor que tivesse a suficiente coragem de publicá-lo. Bem, deixando os editores de lado, o que importa é que o garoto aportava ali no momento que minha mente produzia frases tórridas para um imaginário casal de meia idade que se bolinava, escorados na árvore em questão.

E me sentia bem, pois a imaginação voava como há muito não fazia. E eu gostava daquilo, e colocando mais lenha à fogueira vislumbrei ações em alta temperatura, as mãos do homem deslizando pelas costas da mulher, repousando sorrateiras num bumbum bem formado e generoso. Sim, sobre a dona dos glúteos avantajados, Sophia, poderíamos considerar que ela é muito bonita, e não só ela, e assim também o elegante tailleur cinza que vestia.
Logo, insistindo nas cenas  fiz todos perceberem que ali estava uma dona de classe, fato escancarado no sofisticado  e estiloso echarpe de seda chinesa que contornava delicadamente o seu rosado pescoço.
Entretanto o seu rosto de querubim somado as outras tantas evidências dum requinte social, não escondia dos transeuntes a sua escassez de recato. E a carência dos bons modos se contrapunha aos poucos minutos anteriores, onde ela e o namorado, caminhando pelas pequenas ruas arborizadas não se desgrudavam das mãos e nem dos sorrisos.

Portanto não seria de admirar que as pessoas que zanzassem pelo local apostassem suas fichas na compostura daquela mulher de fino trato, e que o atrevimento do namorado seria passível  duma  descompostura em regra. Mas assim não ocorreu, pois não se percebeu nela a inocência dos amantes incautas, já que as mãos do homem pareciam estimula-la, fato cristalizado diante os gemidos da mulher e de suas mãos de unhas encarnadas acariciando as nádegas do homem, excitadas.

E assim fiz as cenas persistirem, e eles se sussurravam obscenidades, beijando-se,  tocando a crueza de suas línguas sem se importarem com os protestos de um grupo de quatro velhotas que há poucos metros dali tagarelavam suas fofocas. 

-Senhor Oldman! Senhor. Oldman! O zelador do seu prédio disse que eu o encontraria aqui  – O rapaz insiste e interrompe o exercício de minha imaginação. O tom de sua voz é jovial e entusiasmado. Claro, sua interrupção me irrita.

-Sim, ele disse, mas, o que posso a ter com isso, rapaz? – Devolvo com feição de poucos amigos. Evidente,  não me ocorriam os motivos de estar me cutucando daquele modo.

-Ah sim, desculpe-me senhor Oldman! Falha minha em não apresentar-me!  - Ele exclama.

-Sim, e quem você é? - Questiono

-Ah, o  meu nome é Arlindo Augusto, e estou aqui para um trabalho do meu grupo de Universidade - Ele devolve

-Hã? Universidade? Sim! Mas.. o que tem a ver comigo? –  Insisto contrariado enquanto o garoto retira o dedo do meu ombro.

-Bem, é que o trabalho vale uma ótima nota. Inclusive a ideia de entrevistá-lo foi minha. Sabe senhor Oldman, sou seu fã número um, e ficaremos felizes ao nos concedesse a entrevista.

-Ai meu Deus! Universitários não! – Gemo para ele.  Se havia coisa que me deixava acabrunhado eram esses fanfarrões universitários. Porém eu não podia simplesmente desaparecer com a sua imagem assim como fazia com as personagens. Retorno à carga.

-Tá bom meu rapaz! Mas..já que tinham que enviar alguém, porque não mandaram uma daquelas gostosas que certamente há em seu grupo ? -  Ele pensa por instantes e sorri sem graça.

-Bem senhor Oldman...a culpa não foi minha, juro! Até que tentei trazer uma delas, pois sei das suas facilidades quando estás diante dum bom par de pernas! - Ele se justifica, e completa: -Sei de tudo, pois tudo está nos seus livros.

-Nos meus livros, é?  Sim...Mas..por que eu? - Replico  - De fato eu estava curioso para saber como chegaram até mim.

-Bem, senhor Oldman, foi assim que aconteceu...Numa lista prévia de escritores sobraram três, e o senhor entre eles. E o seu nome foi à votação, e... - Ele explica, reticente, talvez acreditando que devesse me sentir feliz com a escolha.  Acho o fato engraçado e resolvo fazer parte da brincadeira.

-Nossa que ótimo! Olha...Eu lhes fico muito grato pela unanimidade,  e pelo reconhecimento! - Dissimulo com certo orgulho.

-Bem senhor Oldman, também não foi bem assim - Ele devolve timidamente e conclui: É que um deles morava em Recife, o outro em Maceió, e ambos afirmaram que só concederiam a entrevista se estivéssemos lá, pessoalmente.

-Uai! E por que não foram? - Replico desencantado e já sem o orgulho.

-Bem.. Sabe como é, né senhor Oldman...A vida de estudante é dura... mal sobra grana pros cineminhas de domingo, imagine então para as viagens... - Arlindo divaga. Merda! Sei que não deveria, mas a justificativa me irrita profundamente

Puta que pariu, odeio universitário! - Obviamente eu fora eleito por exclusão.

Arlindo percebe a minha irritação, talvez preocupado que a entrevista terminasse antes mesmo de iniciar. Ele me olha constrangido, e sei lá por qual cargas dágua resolve reportar os bastidores da votação do Prêmio Nobel de Literatura Universitária.

-Sabe senhor Oldman, nós os homens, éramos a maioria dos votantes, e só foi fecharmos com o seu nome e as garotas tirarem o corpo fora da escolha. Elas disseram assim "Já que querem esse sujeito...Então o problema é totalmente de vocês!" – Arlindo relata impregnado dum risinho imbecil. Aquilo me deixa curioso.

-Mas...Por que tiraram o corpo fora? 

-Ora, senhor Oldman, convenhamos... Há nas tuas histórias muitas marcas de escândalos, fofocas, assim como em suas andanças os rastros de  mulheres se pegando à tapa, entre outras coisas piores. Portanto... para os que leem a sua obra é como ter aceso à xerox autenticada dos seus procedimentos... -

-Ah..entendi. E sendo assim elas... - Ele não me deixa terminar

-Fugiram deste encontro da mesma forma que o vampiro foge dos raios de sol – Arlindo conclui amorfanhado, levantando e deixando deixar cair os ombros.

Seu pensamnto me deixa perplexo. Não o que avalia a minha moral ou conduta, mas, a outro, aquele que fala do vampiro e raios de sol.

-Uauuu, garoto! Será que te ouvi direito?  Assim como o vampiro foge dos raios de sol? Que frase magnífica! - Exclamo enquanto me olha surpreso.

Claro, a exclamação era puro sarcasmo, e mesmo que levasse em conta o fato do garoto ser meu fã, tudo me pareceu cristalino, um tremendo mala.
Permaneço com o olhar cravado nele e na apatia de sua feição que, a cada frase dita insistia em repetir o meu nome. E ele era atípico, pois quem detalhasse a sua aparência logo veria um desses rapazes como tantos outros que se metem a cursar o Jornalismo. Na sua fisionomia raquítica e cheirada à indolência sobressaia suas longas pernas que mais se assemelhavam a tacos de bilhares que se metem numa calça jeans. Acima do rosto, os fartos e encaracolados cabelos destoavam do ralo cavanhaque aloirado que ostentava no rosto afunilado. Seus lábios eram largos e finos, mas havia alguma expressão em seu olhar, pois procurava nele coisas que o identificassem com o público leitor. Também analisei  seu tórax e braços, e mesmo que fosse desprovido de músculos questionei se ele não seria uma boa personagem para a minha história. Sim, e por que não? Talvez eu pudesse colocá-lo numa das cenas do “ménage à trois” com o desespero daquele duo de amantes quarentões.

Ah, sim, falemos sobre os meus amantes. Bem...Sobre eles poderíamos concluir que são fruto dum casamento igual a tantos outros que, em certa fase convive com o conformismo dos beijos e trepadas que não mais carregam ranços de paixão. Logo, não há as bolhas provenientes de fervura, pois estão atolados à mediocridade da rotina destrutiva e do "nada eu faço, nada tu fazes, e nada faremos nós". E é justamente o que se dá com meu casal. Entretanto há alguma luz, e os faço perceber o que se ocorre á volta e os faço empreender mudanças. Claro, algumas delas são drásticas,  radicais até, aliás, como ocorre com eles ao tratarem dum limoeiro doente, no entanto, esperançosos que,  mesmos caídos, os limões debilitados ainda resultem na limonada que amaina a sede.
Certamente, tais fatores são aflorados à minha percepção de vida, principalmente aqueles que dizem sobre os sentimentos, pois para mim o amor se assemelha a um bólido que desaparece das vistas numa  auto-estrada sem  fiscalização. E penso assim, já que experiência não me torna ignorante, e nem me obriga a desconhecer que é preciso muita perícia para que o amor alcance o seu destino, isento de acidentes.
Assim reputo, pois agora sei que o amor  requerer calma e muita prudência, desafeto que é  do grotesco das nossas falhas e desacertos que, dependendo da conjuntura poderá nos  inviabilizar outra oportunidade.

E essa era parte da trama, e eles mereciam outra chance. E um deles é Marcos, talvez 43, um advogado criminalista que jamais enfrentou  o tribunal do júri, quer fosse defendendo os milionários do narcotráfico ou os apelos dramáticos dos crimes passionais.  Não, com ele tais defensorias jamais ocorreram, pois logo após  a formatura e num raro golpe de sorte assumiu por bagatela  e por prazo estendido uma pequena loja no ramo das peças. Agora, passados  15 anos seus negócios prosperaram e há um imóvel de sua propriedade que  ocupa meio quarteirão numa caríssima avenida comercial, um dos campeões nacionais no segmento das autopeças.
Com a esposa as coisas não foram muito diferentes. Ela é dois anos mais nova, psicóloga, uma dessas que jamais clinicaram ou mantiveram consultório próprio. Sim, é a verdade, pois igualmente saiu dos bancos da universidade para uma noite de núpcias numa humilde pousada  do interior de Minas Gerais. Não, não estranhem a situação, já que à época não tinha um gato para puxar pelo rabo. Entretanto, inteligentes e com ótimo aproveitamento diplomaram-se às custas da União. Agora pasmem, ela, Sofia, casou na plenitude da virgindade.

- Senhor Oldman, senhor Oldman.. Pode ou não pode nos conceder a entrevista? – Outra vez suplica ao enfiar (de novo) o dedo no meu ombro. Outra vez me vejo extraído do surto criativo. Obviamente, tinha que ficar puto da vida.

-Moleque do cacete, por que tu não abaixa essas calças e enfia a ponta desse teu dedo no rabo? – Esbravejo retirando bruscamente seu dedo da minha pele.

-Oh senhor Oldman, por favor, me perdoe! Não tive a intenção de machuca-lo – Ele justifica desapontado. E desta vez me pareceu tão desalentado que levou o seu olhar para o desgastado par de coturnos.

Depois da bronca me arrependi, e assim abrandei a raiva nas linhas do meu rosto. Subitamente Arlindo levanta o olhar e ele  parece ser frágil como a alma artista, igual a esses que brincam  com malabares de fogo nas noites frias de inverno. Repenso em sua participação em meu livro e definitivamente concluo que tanto seu biotipo como o espírito não condizem com o erotismo das cenas, portando, decido descarto-lo da cena que ocorreria num lugar próximo e por mim conhecido. Bem, talvez Arlindo Augusto nem quisesse estar naquele quarto miserável de um hotel vagabundo e destinado às prostitutas. Talvez fosse essa a forma encontrada encontrada por mim para punir o abastado casal. E já decido pronuncio:

-Bom, paciência, Arlindo! Não será desta vez que você atuará em meu romance – Sentencio antes que retorne  ao meu juízo perfeito. O garoto me olha surpreso e eu peço que inicie a entrevista. Entretanto parece que minhas falas o deixei bolado.

-Incluir-me no romance?  Como assim senhor Oldman? – Ele pergunta. 

-Ai meu Deus, tinha que arrumar sarna pra me coçar? - Recrimino a mim mesmo.

-Diga, diga senhor Oldman! O que o senhor pensou para mim? - Ele insiste

-Ai Jesus! Nada não, Arlindo Augusto, deixemos essa conversa para lá! - Ele parece compreender meu tom decisivo, mesmo que não saiba o por que.

Ainda surpreso, solicita a permissão para sentar ao meu lado, e damos início ao seu trabalho. Permito  que sente e escorrego para a beirada do banco no aguardo das perguntas. Arlindo assenta as nádegas na porosidade do concreto e abre a  sua mochila retirando do interior o aparelho celular. Em seguida aperta algumas teclas de comando e num gesto brusco e desajeitado o coloca bem rente minha boca, quase tocando-me os lábios. Faltou-me pouco para manda-lo à merda, entretanto  relembro a bronca  e refreio minha intenção. Repentinamente retira o aparelho de minha boca e o move para a sua e exclama algumas palavras. Para mim foi demais;  Ele esquecera de testar o nível da gravação

-Um, dois, três, testando! Som, som, som! –  É o que ele fala para um minúsculo orifício no celular. Meu Deus! “Um dois três testando..som..som..som”  Repito comigo e continuo a rir. Definitivamente, Arlindo Augusto era mais que mala, talvez,  babaca fosse pouco. Bem, depois de verificar que estava tudo em ordem deu a partida para a sua entrevista.

-Senhor Oldman, são passados cinco anos de sua última publicação. O que o faz tão ausente do mercado literário?

-Bem meu jovem...acho que a cabeça não está produzindo o suficiente

-Faltam ideias, senhor Oldman?

- Não, talvez esteja transbordando. Porém o volume de ideias é tanto que me confunde, e o meu comum é misturar as coisas ao coloca-las no papel. E o problema reside aí, pois percebo na confusão que meto as minhas idéias, um verdadeiro balaio de gatos pardos.

-Não coordena suas ideias coerentemente, senhor Oldman? - Ele pergunta, surpreso.

-Olha...não que eu seja um descoordenado, não é isso. E o mais que provável é que idade esteja pesando e eu numa estrada onde o inexorável é a velhice. De uns tempos para cá ando demasiadamente preocupado comigo, com as doenças, o alzheimer,  e esse maldito o meio que nos cerca. 

-Mas...e quais seriam esse preocupações, senhor Oldman?

-Bem, ando preocupado com tantas coisas. Com os preços nos supermercados, com o desabastecimento de água. Sabe,  Arlindo, estou apreensivo e inconformado com o valor das aposentadorias, com a conta do restaurante por quilo, a falta de crédito, as orgias esparramadas pelo país, com drogas e drogados, repressores, com  os bêbados e cirroses.. - Nesse ponto faço uma pausa.

-Caraca! O senhor é mesmo preocupado com as coisas, eim senhor Oldman?

-Ah, isso eu sou! Hum...E com as balas perdidas, e com  sujeitos que possam me "acertar" nos cruzamentos do país - Replico num tom alarmista, dramático até.

-Poxa! como o senhor é pessimista, senhor Oldman! - Ele diz recolhendo os ombros e arregalando os olhos. Entretanto era bom que ele soubesse que minhas lamúrias ainda não tinham terminado. Continuei.

-E agora há o pior, Arlindo Augusto...Você sabia que o Viagra parece não ser eficaz tanto quanto antes?  

- Hã! Com assim, senhor Oldman... O Viagra deixou de ser eficaz! Ora! Mas qual é a correlação que existe entre o medicamento e a literatura,  ou mesmo com com o processo criativo? Não entendi, senhor Oldman! - Ele devolve, perplexo.

-Ora, meu jovem! Em minha opinião tem tudo a ver, meu rapaz! A pílula azul já foi mais eficiente ao manter elevada a autoestima de sujeitos como eu. Logo, o que me preocupa é a eficiência do medicamento, pois se de fato nada mudou em sua fórmula, significa que a droga sou eu! - Depois de ter soltado essa preciosidade, óbvio, me arrependi, pois não existia qualquer necessidade de deixá-lo a par do meu problema eréctil. E isso foi um erro, já que não deixou passar em branco:

-Hahaha! A droga é o senhor! Essa foi muito boa, senhor Oldaman!  - Ele ri divertido, enquanto curva o dedo polegar para baixo. Depois assume a feição séria e diz: - Olha, não encuca com isso senhor Oldman. Talvez seja apenas fase, passageiro, e tudo voltará ao normal. Provavelmente é algo que esteja prejudicando a absorção medicamentosa – Ele ameniza com  algumas reticências. Porém percebo nele  o incentivo. 

- Bem, Augusto, obrigado. Mas carrego as minhas culpas, pois aos  65 continuo fumando mais de duas carteiras de cigarros por dia, e isso há mais de meio século.  Sabe...talvez  eu esteja no fim da validade, ou coisa assim. Entretanto ouça com a máxima atenção aquilo que vou dizer; Entre a Terra e o espaço sideral sempre haverá mais mistérios que a  nossa inútil filosofia possa decifrar.. - 

-Opa! Já conheço esse bordão, senhor Oldman, aliás, não exatamente com essas palavras. Porém não compreendi  essa coisa dos “planetas e as estrelas e nem a sua desistência em produzir algo  relevante nesses anos de ostracismos –  Ele devolve numa tonalidade abafada. Olho para ele, e ele está entretido com alguns pombos apressados, pezinhos lépidos, daqui pra lá, de lá pra cá à procura de algum alimento. Talvez fosse esse o momento dele saber o real motivo de me distanciar da literatura:

- Bem, senhor universitário, vou explicitar para que a ficha te caia melhor; Quando uma cabeça não funciona dizem que o corpo padece. Quando ambas cabeças não funcionam, bem, ou estão em pane, ou refém de outra possibilidade. Logo, no meu caso, ou escrevo um monte de asneiras, ou limpo as lentes bifocais com detergentes poderosos para me esbaldar em filmes de putaria na internet. E pelo jeito tenho optado pelas duas... -  Depois de soltas as palavras fiquei pensando porque dissera aquilo. Novamente ele não me poupa:

-Hahaha... O senhor ainda assiste a esse tipo de filme, senhor Oldman? Por acaso é carência?

-Quer saber garoto? Carentes todos somos e seremos sempre, pois a carência é implícita à natureza humana! Poderia até estar mais se não me fosse  a pródiga memória. Sabe, não sou sambista, aliás, detesto o samba, mas há uma letra de um desses sujeitos que é espetacularmente sábia.

-E u também não gosto de samba, mas, o senhor se lembra do título ou quem canta?

-Não, não me lembro, só de parte da música, principalmente o trecho que diz “Recordar é viver, eu ontem sonhei com você”  E é assim que funciona a vida, garoto, logo, vivemos mais  para as recordações que para as realidades, talvez até porque poucos de nós aceitem envelhecer  sem um olhar sedutor no passado.

-Opa! Será que o seu pensamento anda largado em alguma de suas mulheres daquele tempo Sr. Oldman? E digo isso pelo fato de todos sabermos o quanto o senhor foi mulherengo...

-Mulherengo? Ô garoto, acredito que esteja  me confundindo  com o falecido Jesse Valadão! Então...Mas não há nada de abandonos em mulheres do passado, mas apenas no status quo de outrora. Há a saudade dos meus cabelos negros e fartos. Há a saudade das calças “Levis” boca-de-pito. Há saudade até do tênis “Bamba”, branco, assim como toda lembrança das minhas camisas rendadas e coloridas, que combinavam perfeitamente como os meus sapatos Cougar. Lembro que tinha três pares de cores diferentes; verde, vermelho e amarelo.

- Nossa senhor Oldman! Sapatos verdes, vermelhos e amarelos, e ainda por cima camisas rendadas? Isso que é ser antigo, eim?  As suas lembranças devem fazer parte dum antiquário! – Ele devolve com chacota.

-Sim, eu sou o antiquário em pessoa! E isso porque ainda não falei dos Beatles e nem de “Let it Be”. Não te segredei o que era subir a Rua Augusta grudado na cintura de uma garota de peitos  GG. Você já assobiou “Its too late” da Carole King ou “Atlantis” do Donavan? Não, né? Então...  e também sinto saudades dos  “cremes rinses” daquela época. É sim, pois eles nada tem a ver com essas porcarias de condicionadores de cabelos que são fabricados nos dias de hoje.  Eles sim conferiam  um look todo especial . 

-Nossa, creme rinse? Nunca ouvi falar - Ele tripudia - Bom..apesar que acho que o seu passado  deve ter sido um lance bacanérrimo, né senhor Oldman?

-Sim, foi....e outra... - Novamente me interrompe já engatado numa nova pergunta

-Senhor Oldman, poderia nos dizer quais eram as curtições daquele tempo, inclusive, as mais quentes? -  Ele pergunta e olha pra mim com certa malícia. Óbvio, percebo o que ele quer, mas decido deixá-lo ansioso e relato fatos mais amenos.

-É assim meu rapaz, muitas foram as curtições.  Uma delas era que a minha geração adorava tomar café no Aeroporto de Congonhas durante as madrugadas. A outra, degustar uma boa sopa de cebola num restaurante simples e próximo ao Ceasa. Entretanto os lances mais badaladas eram os bailes de bairro. Neles predominavam os efeitos das luzes. Eram bailes cobrados, alguns com conjuntos tocando ao vivo. Mas a diferença estava mesmo naquelas lampadas mágicas, luzes negras e estroboscópicas causando efeitos que deixavam nossas roupas brancas e os dentes com uma aparência fosforescente, algo quase azul neon, assim como os letreiros dos Pubs de hoje.

- Nossa senhor Oldman, acho que o senhor foi um arraso! Imaginando aqui o senhor dançando com uma ninfeta da época, colando o rosto, pernas, seios... - La vinha ele novamente.

- Ah meu rapaz, nem tanto... – Respondo demonstrando a humildade que não possuo. 

- E o senhor se recorda de algumas passagens pitorescas? – Os olhos dele brilham. Foi então que notei que ele pretendia que entrássemos diretamente ao assunto.

-Ta certo, entendi, garoto! Bem...Lembro de uma ou outra. Certa vez dei uma trepada  rapidinha com uma garota que conhecera dentro do ônibus da Breda Turismo. Era uma viação que fazia  a linha no litoral sul do estado de São Paulo e tinha por destino a cidade de Peruíbe

-Nossa! E como foi isso de fazer amor dentro de um ônibus? Deu certo?

-Para nós deu. Talvez nos assentos do carro houvesse meia dúzia de pessoas. Logo após a partida uns rocavam aqui, outros ressonavam acolá, pois é comum às linhas noturnas partirem com poucos lugares ocupados. Como de hábito comprei o último assento, solitário. Ao entrar no ônibus vejo uma  garota sentada na terceira ou quarta fila. Ela era bem bonita e tinha em sua cabeça uma dessas faixas que trazem frases do mundo do rock, coisa bem comum nos anos 70.  Era uma com frase de Jim Morrison, tipo assim - “Alguns nascem para o suave deleite; outros para os confins da noite”. Conclusão; Eu adorava Morrison, portanto me amarrei nela e no seu adorno... 

-Ah, certamente ela também deveria ser fã do Jimi Hendrix e da Janis Joplin! – Ele me interrompe, brilhantemente, diga-se.

-Cara, estou perplexo! Você deve ser um gênio! Que dedução magnífica! – Replico entusiasmado. Ele sorri sem jeito, talvez levando ao pé da letra a falsa lisonja. Porém não me senti um crítico solitário, pois naquele instante os pombos arrulharam em grupo, espalhafatosos.

-Sim, e o que aconteceu, senhor Oldman? – Ele me parecia frenético ao esfregar a mão com rapidez no tecido da perna direita.

-Calma rapaz, já te conto. Bem, não sei se sabe, mas sempre fui um cara de pau, logo, sentei-me ao seu lado e puxei conversa. Foi mágico! O papo fluiu como nos conhecêssemos há anos. Estávamos falando há uns 10 ou 15 minutos e passava um pouco da uma da manhã quando a convidei para sentarmos onde tinha o assento comprado. Ela me olhou e me ofertou um sorriso incógnito e prontamente se levantou...

-Conta...conta...conta logo senhor Oldman! – Ele pediu eufórico, agora batendo o punho direito contra a perna.

-Fique tranquilo meu jovem – Acalmei-o e continuei; Bem...já sentados nos últimos bancos e após conversamos por 10 minutos reclinamos os bancos e começamos a nos acariciar. Ela era uma delícia e sussurrava baixinho e seus gemidos se fizeram tão sensuais que lembrei dos filmes estrelados por Brigite Bardot. Ah, o biquinho que ela fazia quando dizia "Mon amour" me matava! Bom, não demorou muito e pulei para o banco ao lado e me deitei sobre ela. Daí ficamos num rala e roça insano, até que, com alguma dificuldade arriei a calça jeans. Para ela foi mais fácil, já que estava de mini-saia, e ela só teve o trabalho de desabotoar a blusa floral e para os seios saltarem ansiosos, escondidos que estavam num sutiã meia-taça. Sim, os peitos dela eram lindos! Um pouco mais de excitação e foi inevitável deixarmos de dar uma trepada das boas. Evidente que tomamos alguns cuidados, como o de gemermos baixinho para não acordarmos o pessoal dos bancos da frente. 

-Uauuuu! Que bárbaro senhor Oldman! Ah como gostaria de estar sentando no banco ao lado, incógnito, invisível. Ah, como gostaria de ter assistido tudo! – Ele exclama excitado. 

-Bom, foi isso, meu jovem. Depois nos limpamos com alguns lenços umedecidos que ela trouxera na bolsa. Agora...o estranho mesmo ficou por conta do meu rabo, de fora, indo de um lado para o outro conforme as curvas efetuadas, pois a Serra do Mar é um festival delas, fechadas...Ah, e isso sem falar na maldita pressão nos ouvidos, algo que tem relação com o nível do mar.

-Poxa vida senhor Oldman! Acredito que foi uma aventura e tanto! – Ele concorda extasiado. Depois emenda outra pergunta: Ah, assim, Já que estamos falando em “fazer amor” recorda de algum outro caso inusitado?

-Garoto, vamos parar com esse papinho frouxo de “fazer amor”? Use uma linguagem menos coloquial, porra!

-Epa! Desculpe senhor Oldman. Tentarei me adequar! – Ele assente num risinho safado.

-Isso! Assim que se fala, garoto! 

-Então vamos lá senhor Oldman! Existiram outras trepadas tão  incomuns quanto essa?

- Sim existiram algumas. Tô lembrando aqui de algumas. Teve a da escada de incêndio, na sala do arquivo morto duma firma que trabalhei, algumas me aproveitando do "vai-e-vem" das ondas do mar. Você não vai acreditar, mas trepei até em sala de cinema!

-Caraca! Em sala de cinema, senhor Oldman?

-Sim, bum cine-teatro bem fuleirão. Pra falar a verdade eu era bem garotão e foi numa sessão das 3 da tarde ao dar o meu maço de cigarro praticamente cheio para uma strepper balzaqueana que fazia show no local.

-Nossa! Que barra eim, senhor Oldman!

-Pois é, foi barra. E, ah, teve uma ocasião muito esquisita. Só que nessa entrou areia! Acredita?.

-Hã? Como assim? O senhor foi flagrado com a boca na botija? Foi pego pelo pai, mãe, ou pelo irmão da garota?

-Não, não! Não foi nada disso! O problema não foi esse! Nessa entrou areia, mesmo, literalmente falando. Era também madrugada e transamos num areal de Copacabana, num terreno desocupado, logo atrás do parquinho de diversões em que ficamos boa parte da noite. Apagadas as luzes do parquinho, ficamos por ali e nos ocultamos em alguns arbustos e nos misturados às embalagens de sorvetes e de amendoins torrados demos cabo ao serviço. Naquela época eu curtia uma de ser mochileiro, e estava ali com a namorada para ver as escolas de samba no carnaval carioca. Porém a grana era curta, e a decisão era a de; Ou comprávamos os ingressos, ou dormíamos naquelas espeluncas do centro. Claro, optamos por ver as escolas, além, óbvio, de tomarmos banho de gato naqueles famosos chuveirinhos de praia.

-Caraca! Não imagina como seus fãs ficarão felizes por lerem essas preciosidades...

-Ah sim! Posso imaginar o riso estampado no rosto de meia dúzia de sujeito que perde tempo em me ler!- Devolvo com sorriso cretino e conformado. Eu também era filho de Deus.

-Poxa vida, senhor Oldman! Que relatos canas! Podemos finalizar a nossa entrevista com um bate pronto?

-Claro garoto! Mas vamos inverter a ordem; Agora sou eu que respondo enquanto você pergunta! Ok?

-Hahaha! O senhor é mesmo um grande gozador, senhor Oldman – Ele riu farto e inocente. Pra falar a verdade, começava a ir com a cara daquele garoto.

-Ok, ok! Você venceu baby! E para os vencedores batatas fritas! Manda ver, guri! – Ele sorriu novamente, encostou o celular próximo dos lábios e sapecou:

-Uma bunda!

-Ah sim, a bunda de Carla Perez - Rebato

-A bunda das bundas? – Ele pergunta, agora mais desinibido

-Bem garoto, olha que já vi muita bunda bonita, mas a de  Da Rita Cadillac era imbatível!

-Puta que pariu! A de Rita Cadillac? Por acaso é uma velhota que há uns 8 anos atrás fez um filme pornô  deitada sobre o  capô dum cadillac vermelho?

-Sim! Ela mesmo!

-Hum..entendi. Bem, e a sua maior decepção, senhor Oldman?

-Hum... talvez a minha maior decepção foi jamais ter visto os peitos de Grace Kelly

-Quem? Grace o que? Quem é, senhor Oldman ?

-Ah foi uma atriz dos anos...Ah, deixa pra lá garoto!

-Ok, não vou insistir. Ah, agora me diga; Há muitos enganadores nesse país?

-Ih meu rapaz! Esse país está abarrotado de enganadores. Mas, o maior deles é o governo! – Ele me olha assustado. Aquilo me preocupa, pois talvez eu estivesse na presença de um desses esquerdistas alienados e que não enxergam um elefante à frente do próprio nariz. Se fosse o caso a entrevista corria o risco de interrupção.

-É... nessa vou ter que concordar com o senhor, senhor Oldman! – Eu o ouvi quieto e com um certo alivio. E ele continuou:

-Deduzindo, senhor Oldman. Se existe enganador, existe quem se deixa enganar. Por acaso seria a tal  "Elite branca" o grande bobo desta nação?

-Elite branca? Bah, guri! Isso é conversa pra boi dormir! O grande otário é o povo brasileiro como um todo, principalmente os mais humildes que se deixam seduzir por alguns míseros trocados – Devolvo convicto.

-Hum, certo, certo – Ele assente. Depois me desafia; Senhor Oldman, vale um bloodmary a sua convicção política mais contundente.

-Ah garoto... Essa é muito é a mais fácil de todas!

-É? – Ele questiona

-É! - Confirmo  

-Então diga senhor Oldman!

-Fora Petralhas! – Exalto-me. Talvez a tonalidade da voz tenha sido tão contundente que todas as árvores do parque me ouviram. E não só elas, pois as pessoas que passavam nos olharam, até os pombos nos olharam, e arrulharam ainda mais alto, não sei se a pró ou contra a minha convicção política.

Ele me olha e sorri. Eu olho pra ele e devolvo o sorriso. Depois o convido para um drink. Ele parece não entender. Então tiro do bolso do paletó de lãzinha cinza duas pequenas miniaturas de vodca. Ele aceita de pronto.

-A nós –  Eu digo

-A nós –  Ele Retribue

Terminadas, repetimos os goles com outro par de garrafetas. Repentinamente ele dá um tapa na própria testa e diz "Que cabeça essa minha" Eu apenas olho sem nada compreender. Ele me comunica "Senhor Oldman, tenho um presente para o senhor" Agora quem é pego de surpresa sou eu.  Pego mais duas miniaturas e outra vez consumimos o conteúdo. Apalpo um dos bolsos e noto que ainda sobrara um par delas no paletó-adega. Então ouço o barulho do zíper de sua mochila, e ele saca do interior um estojo embrulhado num bonito papel laminado. Estou ansioso e ele me faz a entrega. Assim que me desfaço da embalagem os meus olhos brilham diante dum belo par de lentes negras. Olho o estojo com atenção e nele há a marca Ray Ban. Talvez os óculos fossem legítimos, talvez não,  e isso não me importou. Retiro da caixa e me desfaço da velha armação que estava em meu rosto e a substituo pelo novo presente.

-Demais, senhor Oldman! Ficou muito bom, bom mesmo! O Senhor ficou parecendo com Charles Bukowski! Ta igualzinho a uma foto dele nos anos 80 em Los Angeles – Ele exclama

-Quem é Charles Bukowski? - Brinco com ele.

Ele sorri e eu devolvo. Depois levanta-se para ir embora. Já em pé  me dá um forte abraço, caloroso, cheio de afeto, e aquilo me fez sentir importante, pois há muito tempo não me afagavam daquela forma.  Talvez achem que sou piegas, mas repentinamente tudo à minha volta pareceu ganhar vida, pois há um dia ou um momento na vida da gente que as coisas, por mais pequenas que sejam, tornam-se imensuráveis.
E aquele era o dia e o momento. As flores pareciam adquirir um novo colorido, e no rosto das pessoas mais alegria, e até os pombos e seus incontroláveis apetites pareciam outros, diferentes, arrulhos inquietos, mas que sugeriam paz.
Surpreendentemente sinto algo aguar os meus olhos,. Era como tivessem pingado gotas de colírio, que ameaçavam desabar. Entretanto eu era duro, portanto arregalei  bem os olhos e as consegui reter, não possibilitando ao rapaz ver o quanto havia de humano em mim. E com as lágrimas dominadas assim como os velhos e cansados leões, enfio a mão no bolso do paletó-adega e resgato as derradeiras miniaturas. Ele acolhe a sua com galhardia e a entorna numa outra única golada, enquanto consumo a minhas em goles mais comedidos. Terminadas, civilizadamente ele recolhe todos os frascos vazios que deixamos sobre o banco e os leva até a lixeira mais próxima. Depois volta e pega a sua mochila e verifica se não está deixando algo para trás. Com tudo em ordem  enfia o celular no interior e me dá um “Até breve” e eu devolvo num “Até a próxima” . E ele toma o seu caminho e segue em linha reta. 

Eu o acompanhei por uma daquelas ruazinhas até onde meus olhos puderam distingui-lo. E no caminho ele brinca no cocuruto de algumas crianças, e ajuda um senhor de severa idade a se erguer do banco. Porém eu notava nele algo não sincronizado. E conforme ele segue pela alameda eu sorrio prazeroso, pois Arlindo Augusto dava evidentes sinas de confusão motora. Eu sabia que não demoraria para que tropeçasse nas próprias pernas num inequívoco estado de embriaguez,  mesmo que, por sorte, ainda em estágio inicial.

Sim! Não existia qualquer dúvida agora; Arlindo Augusto era um garoto legal.


Copirraiti26Jun2014
Véio China©


domingo, 13 de abril de 2014

Nunca antes na história deste país... (Avô & Neto em simplismos políticos)


-Vô, sabe, ouvi dizer lá na escola que a presidente foi terrorista. Se foi terrorista, como pode ser nossa presidente? – Pergunta o garoto, talvez uns 13 ou 14 anos.

Sobre o menino podemos considerar que é um desses como muitos que andam por aí, e que estão numa fase de desinteresse pelo futebol, entretanto antenados e de olhos bem abertos para as garotas na escola, o Facebook, e surpreendentemente, no universo político tupiniquim, talvez até pelo fator "Black Blocs" o qual, sem discernimentos diz achar  "movimento firmeza”

-Inácio, leve a mal não, mas não acha que és muito garoto para tanto interesse político? – Questiona o avô ao olhá-lo firmemente nos olhos.

-Assim, sabe vô, lá na nossa classe a dona Izilda estava falando sobre a vida de Che Guevara, e a professora disse que o PT e a presidente tem tudo tem a ver com ele, pois todos militaram na esquerda. Perguntei a ela o que era ser de esquerda, direita, e ela explicou, portanto me interessei.

-Eita! E por que esse interesse repentino por esquerda, direita, e ainda mais pela dona Vilma? – O avô insiste, surpreso.

-Ah vô, nem é tanto o interesse por ela, pois do jeito que o pessoal mete o pau nela no Face, acho que deve ser por não estar fazendo grande coisa pelas pessoas....

-Hum, entendi...então vocês acham que ela não está lá fazendo aquelas coisas...sei. Mas, me diga Inácio, lá na tua escola estudam a política nacional?

-Ah vô, não! Não há aula falando de política não. É que a dona Izilda parece ser plugada nesses lances e gosta de descer o pau no governo. Sabe, gosto dela!

-Hum, e é bonita a sua professora de história?

-Eee vô! Tu sempre querendo saber se as mulheres são bonitas! Certo, o que posso dizer é que ela é  de geografia, e que também é meio barrilzinho, mas tem uns olhos azuis maravilhosos!

-Eita! Dos olhos azuis, além de ser gordinha  até que entendi, mas, como assim... professora de geografia? – Surpreende-se o velho.

-Uai, como assim....ora! geografia, vô...Ge o gra fi a! - O fedelho responde separando as sílabas

-Nossa, que coisa! Imagino então que nas aulas de história vocês aprenderão sobre o curso do Rio Amazonas, o quanto é pitoresco o Sena, e ainda as rotas das pirâmides no Egito. Pelo amor de Deus, o ensino neste país tá de brincadeira! O que pode ter a ver o cu com as calças? – O velho resmunga demonstrando seu descontentamento com a qualidade dos professores do país.

-Ô vô, vê se não me enrola! Para com esse papo sobre rios e rotas e me diga; A presidente Vilma foi ou não foi terrorista? – O garoto insistiu na pergunta. O velho o olha aturdido; Que assunto chato fui me meter! – Ruminou em pensamento. Depois muniu-se de alguma coragem e seguiu adiante.

-Assim meu filho, vamos por parte. Primeiro, a presidente não foi terrorista, mas, revolucionária, guerrilheira, apesar de muitos verem terrorismo nas atitudes tomadas por aqueles grupos. Claro, naquele tempo ela jamais se imaginou detentora de algum poder, afinal as esquerdas não tinham voz e nem vez no país... – O velho relata. Entretanto, antes mesmo de terminar as suas falas é bruscamente interrompido pelo neto.

-Uai, como é que pode isso, vô? Uma esquerda ser fraca e eleger um presidente? – O menino questiona de olhos arregalados –

O avô o olha e coça a cabeça e murmura entre dentes. “E agora José, como explicar isso pra esse fedelho curioso que o curso da história mudou?” – Depois decide; “Já que entrei no jogo não é justo deixa-lo na metade. Decide antes de disparar suas costumeiras metáforas.

-Bom...é que no meio do caminho surgiu um barbudinho que encantou a mídia e os intelectuais desse país. Já ouviu falar sobre uma poesia de Drummond, chamada “No meio do caminho?”

-Ah, já sim, vô! Aquela que diz  " E agora José/A festa acabou/A luz apagou" A professora de matemática vive recitando essa daí e muitos outros poemas.

-Hum...professora de matemática recitando "José"? – Outra vez o velho se surpreende, primeiro, pela confusão do garoto ao vê-lo referir-se a outro poema do imortal Drummond. Segundo, porque também não entendia a mestra de matemática ministrando aulas de literatura no lugar daqueles, para ele, incompreensíveis cálculos.

-É sim, vô! Ela é a nossa professora de matemática! - O garoto confirma

-Tá certo, Inácio. Apesar de você não estar se referindo ao poema que mencionei, confesso, o efeito é praticamente o mesmo. Portanto pegue a "No meio do caminho tinha uma pedra/Tinha uma pedra no meio do caminho" e substitua a palavra pedra e no seu lugar coloque“barbudinho” e aí sim terá uma poesia política afeita ao nosso tempo.

-Ta bom vô, vamos ver como fica; "No meio do caminha tinha um barbudinho/Tinha um barbudinho no meio do caminho" – O garoto ouve o som da própria frase. Porém, repentinamente o sobressalta: Mas...epa! O que pode ter a ver entre o barbudinho, o poder e a pedra? – Protesta o garoto num espanto que se fez cristalino.

- A princípio, nada, Inácio. É apenas brincadeira minha. Já reparou como um dos seus nomes é idêntico ao do barbudo? De diferente só o Ruis e o Nilva? – O velho compartilha num tom professoral.

-Ah é mesmo vô! Quem ainda não ouviu falar no nome de Ruis Inácio da Nilva? – O menino consente.

-Sim, mas voltando ao assunto o fato é que esse barbudinho se tornou conhecido nacionalmente por Tula. Ele foi um obstinado, e  mesmo semi analfabeto já lhe sentíamos o dom da esperteza, pois sabia estar na mídia como ninguém, inclusive, evidência que se deu na conta dos levantes da classe metalurgica, isso no ABC, e em plena década de 70.

-Mas, o que ele pretendia, vô? – Evidente, o garoto se mostrava interessadíssimo pelo assunto.

- O que posso dizer Inácio, é que à época ele brigava por melhores salários, direitos e melhores condições de trabalho.

-Nossa vô, então podemos concluir que ele foi um sujeito corajoso?

-Podemos sim Inácio! Pra falar a verdade, esse barbudinho foi um osso duro de roer, um grevista de mão cheia que lotava os estádios com as assembleias que promovia com a sua classe.

-Ah, que legal! O vô, é verdade que Tula não tem um dos dedos?

-É verdade sim Inácio. Inclusive sobre ele contam algumas línguas que ele decepou propositadamente o dedo numa prensa da fábrica onde trabalhava.

-Como assim vô, quem seria louco de cortar o próprio dedo? Mas... por que ele faria isso? – O garoto questiona intrigado.

-Bem, nem eu sei, pois com ele parece que tudo sempre foi e será possível – O velho devolveu num tom tão sarcástico que acabou por gerar dúvidas no guri.

-Ô vô, te conheço, né! Para de esconder o ouro de mim! – Ele olhava firmemente para o avô, e como esse nada respondeu, continuou -

-Sabe, a minha professora revelou que admirava muito esse tal de Tula, mas que agora não admira mais. Ela diz que ele traiu diversas promessas e princípios que fizeram ele chegar no poder. Ela disse ainda mais... Disse que hoje ele posa dando tapinhas nas costas de parceiros políticos, pessoas que no passado sempre alcunhou de corruptas e que lesavam o Brasil.

-Pois é Inácio. Assim como a tua professora há milhões de brasileiros que tem a mesma impressão sobre ele, e não são poucos os que não suportam nem que lhes digam o nome.

-Tô sabendo vô! – O guri respondeu divertido – Sabe, tenho um colega de classe que disse que o vô dele contou que à época muita gente tinha medo do barbudinho, e que os militares pregavam que ele seria capaz de comer criancinhas vivas, se essas dessem moleza! Cada louco, né vô? – O menino finalizou num riso divertido.

-Então, Inácio, foi mais ou menos isso. É que à época tanto a direita como o centro morriam de medo dele. Bem, mas isso não importa, e o que a história conta é que que ele acabou se elegendo e se tornou o nosso presidente.

-Caraca vô, então esse tal de Lula era um sujeito porreta, mesmo!

-Era sim, Inácio. E me lembro do dia da sua posse, e foi uma tarde de muitas festas, e o povo saiu à rua, pois pela primeira vez um homem do povo, miserável, se tornava o presidente do Brasil.

- E o senhor, vô? Acha que ele foi um bom presidente? –

-O que posso responder? Assim, diria que fez alguma coisa pelas pessoas mais carentes. Entretanto, a partir do 2º ano do seu governo começou a mostrar suas verdadeiras intenções ao lutar tenazmente contra tudo que defendeu. Inclusive contra o plano vigente das aposentadorias. Sobre isso ele modificou prazos, estendeu contribuições, faixas etárias.

-Nossa vô! Fale numa língua que eu possa entender, né! Mas, em todo o caso, e se foi o que entendi, é muito doido isso de ser trabalhador e lutar contra os interesses do próprio trabalhador? – O garoto raciocinou alarmado

-Então Inácio, foi assim mesmo. Ah, ele também sempre foi fã de aviões e viagens, inclusive fez a União comprar aviãozinho que nos custou os olhos da cara! - O velho respondeu indignado.

- Epa, espera, to me esquecendo de contar algo bobo...O Tula adorava entornar umas branquinhas.
Dizem que foi sob o efeito do álcool que pretendeu expulsar do país um jornalista estrangeiro que o taxou de alcoólatra. Entretanto, fora as cachaças procedeu algumas medidas no âmbito social, estendendo bolsas esmolas para uma legião de miseráveis, aliás, ideia que nem do seu governo partiu,  mas do anterior.
Mas foi aí que demonstrou o quanto era sabichão ao perceber que seria ali onde se concentraria o poder de barganha com um povo sofrido. E essa barganha é que os mantém no poder até hoje, já que ganham as eleições às custas da miséria e das esmolas dadas aos miseráveis.

-Puxa vô! É verdade isso?

-É sim. Quem olha de fora seria capaz de imaginar que isso traz felicidade e bem estar para esse povo. É mentira, não traz, pois não há planos para a educação  e nem oportunidades pera eles, infelizmente! Claro, é de pura demagogia, pois ele sempre soube que jamais resolveria a questão da pobreza, assim como a educação, saúde e moradia. Portanto criou esses auxílios esmolas e os distribuiu aos milhões para essas pessoas. E todos sabemos que foi golpe eleitoreiro para se perpetuar no poder, pois para os miseráveis qualquer quantia é uma benção.

-Poxa, que sujeito esperto, eim vô? – O garoto sorri.

-Sim, espertíssimo! Entretanto ele decepcionou as pessoas que detém algum grau de conhecimento, brasileiros que, como eu acreditaram piamente em suas promessas dum governo comprometido com moralidade, e à caça de corruptos e corruptores. E a maior das verdades é que, lamentavelmente o barbudo não combateu aqueles que assaltaram o povo, ao contrário, parece ter se aliado a eles, cerrando os olhos para isso e pra quilo, para depois, mesmo que descobertos os golpes implantados por seu guru político, ter a coragem de vir a nação e confessar que foi traído e de que nada sabia. Foi lamentável o fato.

-Uauu, que bacana! Gostei do esquemão! Um presidente que nada sabe deve ser um cara fantástico! Bem que poderia ser assim na escola, né?

-Como assim Inácio, não entendi! Explique melhor. –

-Assim vô; Quando há prova oral e fico com cara de besta ao não ter a resposta para certas perguntas. E assim sou obrigado a ouvir o riso dos que se julgam mais inteligentes,e eles me chamam de burro na cara dura, de toupeira, e essas coisas assim. Portanto seria bacana logo ir dizendo; Professora, eu nada sei! E todos me olhariam compreensivos diante a manifestação da professora, numa coisa tipo assim; Nossa, que bom, Inácio! Parabéns, você nunca sabe de nada, estamos orgulhosos de você! –  O menino respondeu de forma matreira, e ambos se olhando, sorriram e depois gargalharam. Amainado os risos o velho prosseguiu:

-Pois é Inácio, esse foi o mandatário que se julgou traído, aliás, traição e traidores que trabalhavam na sala ao lado da sua, ali bem diante de sua barba grisalha! E foi esse o pessoal que implantou pagamentos, uma espécie de“mensalão” para os políticos que votassem na Câmara de acordo com os interesses do governo  petista.

-Nossa vô, que trama incrível - Novamente interrompe o garoto. Depois continua: -Merecia um filme isso! – Mas, o que acabou acontecendo com esse pessoal, vô? – Intrigado o garoto questionou.

-Bem...o esquema foi descoberto porque um desses políticos parece não ter recebido o que lhe prometeram, e então ele botou a boca no trombone. Depois que o escândalo estourou, o traidor da sala ao lado, junto de muitos outros pegos com a boca na botija foram julgados e condenados pela mais alta corte da justiça nacional. Entretanto, com uma nova composição de ministros os quadrilheiros conseguiram um novo julgamento e O STF absolveu alguns da acusação de formação de quadrilha. Entendeu?

-Eu não, vô! Não entendi muito bem esse negócio de “quadrilha” ser absolvida pelo crime de “formação de quadrilha” Isso não me pareceu nada lógico. E outra, nem sei o que quer dizer esse ST e mais alguma coisa, esse que o senhor acabou de se referir.

-Ah, é a sigla do Supremo Tribunal Federal. Como eu disse, é um colegiado que reúne diversos juízes, e eles se tornam ministros e são nomeados pelo presidente da república. No caso do novo julgamento, e sobre a sentença absolvendo os apontados por “formação de quadrilha” aconteceu o fato dos dois novos juízes serem recentemente nomeados pela presidente Vilma. Muitos afirmam que houve "mutreta" neste novo julgamento, inclusive apontando que um dos novos empossados  recebeu uma nota preta por assessoria prestada a União. Portanto, os novos membros votaram à favor da absolvição, tornando sem efeito o julgamento anterior, e no qual haviam sido condenados.

-Nossa vô! Que rolo é esse negócio de Poder! –

-Pois é, Inácio. Pois é! – O velho solta os braços em sinal de desânimo.

-Poxa vida vô, agora to percebendo como parte das coisas andam nesse país. Acho que eu também ficaria decepcionado.

-Exatamente Inácio, Eu fiquei e muitos outros ficaram! Porém coisas estranhas acontecem diariamente nesse  Brasil. Não te espantes, ainda verás muito disso na tua jornada e nesta terra onde canta o sabiá. Ah,e por falar em coisas estranhas...por acaso você não pretende montar uma pequena empresa, sem capital, talvez até na área da informática? E por que não uma empresa onde nada se cria, nada fabrica? Empresa onde não há empregados, escritório, endereço fixo e clientes. Empresa onde verdadeiramente não haverá nada, mas que poderemos vender por milhões e milhões de reais para uma eventual compradora, quem sabe  uma concessionária do setor das telecomunicações. Sabe, Inácio, uma coisa te garanto; Ficaremos milionários do dia pra noite! Topas?

-Uauuu! Claro que topo vô! Mas... é possível uma barbada dessa? – O garoto pergunta entusiasmado.

-Aqui é totalmente possível! Sabe, Inácio, pressinto coisas boas para você. Acho que você ainda nem sabe, mas ainda serás o bambambã nos negócios de nossa família.
E não te impressiones se um dia tiveres que limpar merda de girafa num zoológico qualquer. Não te impressiones mesmo! Tudo, tudo, tudo será transitório, acredite em mim! - O velho se entusiasma, antes mesmo de desferir o bordão fatal.

-Tu Inácio, tu és um gênio, Inácio e serás o nosso "Neymar" nos negócios!


Copirraiti12Mar2014
Véio China©

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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Reminiscências Contemporâneas (Hippies, Black Blocs & Iphones e muito mais)

Olhando em seus olhos logo percebi que seria um desses garotos que jamais saberão o que é o mar.
Talvez estivesse lembrando do mar por estar vindo dum domingo de praia e de um ótimo quarto de pousada. Como todo bom paulistano  procurei esquecer o solado dos sapatos sociais raspando no concreto e fiquei os pés  nas areias macias e cravei a vista tão distante quanto a idade podia me permitir, já que sempre me causou inveja essas lanchas de rico  ancoradas próximas á praia. Entretanto como jamais fui um comandante ou lobo domar retornei a São Paulo na segunda de manha e cá estou eu numa estação de metrô  às seis e meia da tarde, hora de rush, instante que o deixei  junto de suas parafernálias urbanas. 
Logo,  ele e eu e outros milhões de usuários somos trens de metrô e estamos na estação Estação Sé apinhada de gente, enfim, uma raça humana que, plagiando o gado retorna para os seus lares.Talvez o garoto não soubesse, mas eu fora tão jovem quanto ele, desses sujeitos normais   que se flagram nas feiras livres consumindo porções de yakisoba e pastéis de palmito. E como não sabia dos pastéis, não haveria de saber que eu fora um sujeito posto à prova pela vida, apesar de minha inequívoca vontade de progredir. Porém, mesmo que houvesse a vontade, a verdade  é que nunca dei muita sorte com qualquer coisa, inclusive com os empregos,  pois  raras foram as respostas dos curriculum vitae que enviei pela existência toda. E o fato  não me espanta, pois talvez à época os engomadinhos daqueles escritórios de poltronas confortáveis acreditassem que eu fosse meramente um preenchedor de formulários.
E por falarmos em fichas para emprego lembro uma daquelas ocasiões que levantei ainda de madrugada e peguei dois ônibus lotados para tentar uma boa vaga numa multinacional. Bem, ao fim de duas horas e meia espremido como laranja prestes a se tornar suco, desci próximo da empresa, mas acabei me dando mal, já que não conhecendo o lugar adentrei por numa viela com casas desocupadas, talvez até pelo fato de algum grande empreendimento estivesse sendo planejado para o local.
Então continuei seguindo pela viela com os passos apertados, e era mais que certo que  alguns dos meus concorrentes  já andavam pelos corredores da empresa entregando suas qualificações. Lembro que ao passar pelas casas eu as olhava rapidamente, porém  não tardou e  vigorosos passos de dois sujeitos logo se aproximaram. Assim que me alcançaram alinharam-se  um de cada lado - "Devagar irmãzinho!" Um deles disse ao surgir com um calibre 22 na mão direita e retirado às pressas por debaixo do seu enorme camisão de flanela. Bom, exposto à arma de bandido, que poderia ser até plástica, não me surgiu outra ideia que não a de me ajoelhar na tentativa de salvar a minha pele. "Por favor, não me mate" - Roguei com os mesmos olhos piedosos dos mendigos -

Claro, nós os comuns sempre tivemos medo, muito medo, portanto nada mais previsível que nos subjugamos à ousadia dos marginais, ou às suas eventuais armas de PVC ou de ferro pintado.
Sem saída e naquela circunstância só me restou venerar o marginal como se fosse ele  o Jesus Cristo, afinal, eu jamais acreditaria que e o  filho de Deus atirasse contra um dos seus irmãos.
O que se postava à esquerda e que parecia ser o mais calmo olhou para mim e me mandou levantar do chão com uma frase que nunca mais esquecerei. Ele disse - "Calma irmãozinho, não matamos ninguém antes da hora do almoço. Apenas me passe o que tem nos bolsos e estará tudo bem" - Depois ainda enfiou no meu bolso o dinheiro da passagem e me mandou andar. E eu andei, andando, trêmulo, passo após passo até novamente sentir as pernas firmes e me dirigi à empresa que, até hoje não me convocou para uma segunda entrevista ( E olha que lá se vão mais de 32 anos) 

Sim,  são coisas como estas que me deixam farto da vida. A impaciência se torna fúria, não só com a bandidagem estabelecida, das armas ou da política,  mas também com  aquele garoto que destilava ódio em sua expressão, a qual respondi com uma fisionomia acabrunhada, dessas que dizem o quanto andamos de saco com todos. Talvez alguns me julguem ranzinza, mas se há coisa que não suporto são esses olhares  que te olham como estivessem vendo um monte de estrume E era essa a impressão que ele me causava, e eu o achava imbecil, e odiava o fato tanto quanto os gatunos que nos rouba, lesam,  e agem como se fôssemos uns otários, e que estão fazendo um grande favor ao nos assaltar.
Sobre isso, e apesar de ser revoltante engolir sapos, é bom que saibamos da necessidade de, vez ou outra nos munirmos de  paciências, pois há ocasiões que as esperas são sábias ao apontarem que a existência não se sublima no valor das posses, no calor do sol,  ou nas fases da lua. Não, definitivamente não, pois a vida é muito mais que palavras bonitas ou  os mimos num rosto de mulher, pois também resplandecemos nas dificuldades, nos patamares difíceis e nos degraus mais altos,  já que existirão coisas que poderão nos marcar, assim como o amor bem feito com a mulher que se quer, mesmo que no derradeiro murmúrio da madrugada.

E assim é a vida e o exercício continua, e não será fácil para quem quer que seja, pois às vezes ela nos maltrata e coloca-nos para fora da cama ás 5,30 da manhã através do despertador que tocará irritantemente, e fazendo lembrar que há trabalho lá fora. Portanto você se levantará e irá ao banheiro e constatará que a sua respiração embaçou o espelho, e isso significa que há  batimentos em seu coração, apesar duma aparência horrível. Depois é só tomar a ducha, escovar os dentes, pentear os cabelos e sair para a rua sabendo que a vida está de olho em você, mesmo que não sejam aquelas as sua últimas horas, assim por dizer; o dia da tua paz definitiva.
Todavia é esta isenção de paz  que não me deixa acomodar para as coisas  que não fazem sentido,  assim como a prostituição e um bando de garotas com o rabo de fora   congestionando as esquinas com  michês de 50 pratas.
Evidente, há outras tantas aberrações, e uma delas é este desprezível quebra-quebra generalizado que vivemos, assim  como a abundante bandalheira praticada,  e tão comum às pessoas poderosas.  E a maior das verdades seja dita, pois a sociedade pensante está anestesiada, prostrada diante da anarquia que  reina absoluta, estupefata  com governantes que afundam um país à custas das esmolas clientelistas.
Sim, por outro lado também estou perplexo com os atos desses garotos mascarados, e eles  poderiam estar produzindo, estudando, amando, ou sei lá o que nais, porém, tempo perdido, já que  não se despem da violência ou do vandalismo, pois  lhes deve parecer "um negócio da China" depredar não só o patrimônio privado, mas igualmente o público, um evidente “foda-se” às instituições.
E isso me deixa puto da vida, pois talvez os black blocks tenham nascido numa época imprópria, pois a minha era foi duma geração submissa, mas que acabou herdando o mundo, e tudo num piscar de olhos. E essa herança não nos veio de graça,  foi com luta, com protestos, mas sem que promovêssemos destruições ou aniquilássemos pessoas. Todavia isso é uma outra história, coisas do meu tempo e duma velha guarda fascinada pela retórica dos grandes pacifistas, e que fazem lembrar do mundo jovem dizendo  NÂO à guerra do Vietnã, além do repudiar o preconceito e as questões racistas.
Logo, o garoto do metrô jamais imaginaria que esse foi o quadro pintado na minha geração, e que daquele ponto em diante foi um juntar de  forças, inclusive com os imensos dinossauros da mídia, gente assim como os Beatles, Rolling Stones, Morrison, Dylan, e tantos outros,  para enfim chegarmos onde chegamos, praticamente a lugar algum. Enfim, algo de errado aconteceu lá atras, e mesmo ansiando por mundo melhor e mais justo os jovens da época se perderam pelo caminho, dispersaram santificando e consumindo drogas que mataram não só a eles, mas também muitos de nossos ídolos.
Finalizando o resumo diria que fomos o estardalhaço jovem que pouco ou quase nada soube fazer com o poder da própria voz.

Ah, e já que estou passeando pelo passado volto aos pequenos detalhes daquela época e relembro a Praça da República e as feiras hippies, e à um domingo especial, onde ao percorrer as curtas alamedas ouvi e pela primeira vez o inacreditável Jimi Hendrix. Ainda me era um tempo intermediário, dividido entre o garoto que saia da infância para ganhar a juventude, e eu à época no cargo de office boy e junto do meu tênis Rainha  percorria que nem louco as ruas de São Paulo enfrentando filas, encarando ônibus lotados, desafiando enchentes que, por vezes me tinham-me pela cintura. Ah, e como esquecer dos almoços à preços módicos num imenso salão no centro da cidade, lugar mais conhecido como o  "Bandejão da Juventude Católica". E tudo me parecia tão claro e justo, e no fim do mês havia aquilo que eu julgava a recompensa, então corria à Galeria Pajé, e meus olhos se mantinham  frenéticos, era como  procurassem uma miss, talvez até a de São Paulo, mas não era uma garota de corpo escultural o motim do meu desejo, mas sim uma calça de um jeans diferenciado e de sucesso global; Levi Strauss era a marca. E ela me deixava feliz, e com ela dobrada no interior duma sacola plástica é que deixava no bolso do comerciante todo o meu salário do mês, pois usar uma daquelas era  sinal de status, e as garotas amavam os garotos enturmados.

Sim, é verdade, e uma coisa levando à outra relembro o romantismo do tempo e a excitação ao tocar a mão da namorada, a ansiedade nos dedos umedecidos de suor, depois o rubor corando meu rosto ao toque mais ousado, sem esquecer do coração que batia afoito, afinal era tão fácil se apaixonar naquela época. Talvez nem acreditem, mas essa coisa da ansiedade sexual me foi cobrada pouco antes das calças favoritas. Sim, surgiu na frequência das missas dominicais celebradas pelo Padre Damião. Talvez eu estivesse na casa dos 12 ou 13, o que não apaga de minha memória as pernas jovens no interior das recentes minissaias, um mundo de hábitos novos, e essas pernas ali na presença de Cristo me deixavam agitado. Entretanto nem nesses momentos escapei impune, já que persistiam em mim os resquícios duma severa educação cristã, ensinamentos que foram ministrados num colégio de padres que estudei até os 10 anos. E sendo eu o pecador carregava tantas culpas, e elas precisavam ser redimidas, portanto me aproveitava de estar na casa do Senhor e caminhava até ao confessionário, e lá acertava as minhas contas com um daqueles que me diziam ser o representante do Pai aqui na terra. E assim eu saia de lá leve e carregando na consciência a obrigação de rezar não sei quantas Aves-Maria e  Padres-Nosso, e agora eu podia tocar as asas dos anjos, pois quase nada devia a Deus.
E quando divago sobre o fim da infância e o início da fase jovem faço-me as mesmas perguntas de sempre: A minha alma já estava perdida? E por onde andariam os meus amigos da "divisão dos menores" do Liceu Salesiano de Campinas, junto das lembrança de tudo que vivenciei por lá?
Eu nunca mais soube, mas deduzo que muitos estão por aí com suas famílias, avôs em situações estáveis, instáveis, talvez em asilos, ou mortos, nem eu mesmo sei.

Bem, depois do colégio interno e já em Sampa adentrei a fase musical e só pensava em canções e nos cabelos iguais aos dos rapazes de Liverpool. E sobre as canções muitas delas me marcaram (Poucos devem lembrar de Vandré e a Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores) Não há como negar, e já naquela época demonstrava algum inconformismo, e isso se percebia nos meus gostos musicais, nas revistas em quadrinhos que devorava, principalmente aquela produzida por gente que tirava um barato do autoritarismo, portanto, do Regime Militar, já que esses jamais excluirei da lembrança (beijos, Fradim, Bode Orelana, Graúna, Henfil, Jaguar e Ziraldo)
E estando em tempos difíceis o normal era aceitar que o pior andava à espreita, assim como nos dias
de hoje,  pois o o mal destrói como traição entre marido ou mulher. Todavia o tempo foi caminhando, e ao fim daquela década o Regime jogou pesado coibindo manifestações, principalmente as estudantis. Mas elas persistiram e foi um festival de borrachadas, e a polícia, sem dó ou piedade desceu o cassetete na juventude. Com o movimento de rebeldia (principalmente dentro das faculdades) vieram grupos e foi formada a célula guerrilheira e um projeto que supomos clamar por liberdades e direitos civis.
Convenientemente se anota que as camadas mais esclarecidas apoiaram  irrestrita  tais movimentos (mesmo estando longe da militância) e fomos muitos os que acreditaram em seus ideais, e eu,  mesmo sendo jovem e inexperiente apoiei, pois jamais acreditei em liberdade tendo os militares e os atos de força no comando do país.

A guerrilha desenvolveu e em que pese as patentes militares envolvidas, mas la estava o anonimato dos nossos heróis perdido entre as matas, lutando por algo que nem mais sabia o que era. Evidente, houve o rastro da morte, e alguns se foram até pelo próprio e desconhecido habitat que enfrentavam. Passou-se pouco tempo e os militares dizimaram a guerrilha, afinal, a maioria daqueles garotos jamais tinha tocado numa arma de fogo.
Depois de vencidos muitos dos guerrilheiros se exilaram por aí, e é neste ponto que reside a triste ironia dos fatos; Alguns desses sobreviventes estão hoje por cima da carne seca. E a decepção fica por conta de agora sabermos que foi a guerrilha mentirosa, combatentes acoitando entre si um bando de falsos revolucionários.
E agora tudo me parece tão claro apesar da ficha ter demorado para cair, pois a mentira é tão contundente, e os pseudos guerrilheiros tinham por único objetivo a tomada do poder e se dar bem na vida, um poder que, diga-se, hoje  se mostra quase tão totalitário quanto o dos tempos militares..
Logo, muitos de nós nos dias atuais têm a consciência que pagamos demasiadamente caro por termos acreditado e colocado no poder a ignorância demagógica de um semi analfabeto. Assim é que nos sentimos, impotentes,  e eles se multiplicam e dividem o produto das falcatruas entre si num vilipêndio do erário público que mal deixa as digitais dos dedos inescrupulosas, mas que sabemos;  transferem boa parte dos seus golpes milionários para seletas carteiras abarrotadas de testas de ferro.

Bem, como política é algo que me causa nojo, a deixo de lado e retorno ao garoto de olhar duro, e ele continua me olhando, empinado, e seu nariz parece ter alcançado o mesmo status das nuvens no céu.
E esses olhares atravessados aconteceram pelo nosso resvalo acidental à porta da saída do metrô. Evidente, velhos carregam guarda-chuvas nas mãos, e não Ipods ou Iphones. E o estrago se fez no instante do choque, porém meu guarda-chuva escapou ileso. Ainda na intenção de ajudá-lo me agachei e peguei o seu aparelho, sem não antes notar que o vidro frontal do Aplle havia se espatifado, e duas ou três peças juntas da bateria se esparramaram pelo piso. Olhei atentamente para os pequenos pedaços e se eu fosse alguém confiável na área de assistência técnica de celulares lhe diria sem constrangimento que talvez o caso fosse o da perda total. Entretanto o momento e as circunstâncias não me pareceram apropriadas para alertá-lo, portanto silenciei.

-E aí tio! Tu vai ressarcir o meu aparelho? – Ele perguntou aproximando o rosto, resvalando seu tórax em meu peito.

-Como assim? Você está ficando louco, guri? – Respondo. O que mais podia dizer?

Logo o bonitão percebeu que do meu mato não sairia coelho

-Tio, quer mesmo saber? – Ele me fulminou. Eu sinto sua ira

-Quero! É justo que digas! – Devolvi, afinal é assim que nos fortalecemos para a democracia.

-Tu é um babaca reacionário – Ele devolveu com todas as letras. É estranho, mas os jovens de hoje sempre acham que os sujeitos com mais de 60 anos são reacionários, de direita, fascistas, ou do TFP e outras barbaridades. Eu apenas sorri para ele.

-E tu, sabes o que acho? Tu és nada mais que um filho de camundongo! – Replico com um risinho de desdem impregnado nos lábios.

O garoto apenas me olhou, e agora o seu ódio era mortal. Talvez estivesse lá pelos 20 ou 21 anos, um touro de academia, a montanha de músculos talvez adquirida nos anabolizantes, "ou não", como sempre dirá o sábio Caetano.
Seu olhar continuava desafiador, porém eu sabia que se tratava de reles pressão psicológica, pois poderia me trucidar se assim o quisesse.
Mas não o fez, talvez porque seus músculos pensassem, talvez pelo Estatuto do Idoso, ou por ter desconfiança que acabaria se metendo em mais complicações das que provavelmente estava.

-Garoto, escute! Vamos colher lagostas e mergulhar com as sereias? – Propus para ele num tom amistoso, fornecendo um sorriso mais que aceitável

-Hããã? Você está louco, velhote? – Foi a sua resposta-pergunta. Tudo bem, inclusive eu a previa.

Antes de desistirmos olhamos um para o outro pela última vez.
Ele, talvez pensando na reposição do aparelho, e de como chegaria no pai com a melindrosa conversa que um bando de “reacionários" quebrou o seu Ipod" intencionalmente ao darem conta da vermelha estrela petista cravada no peito da negra camiseta (à esquerda,bem  próxima ao coração)
Eu, por meu lado apenas abandonei as dependências do metrô e olhei para o firmamento à procura de tempestade.
Como o céu estava repleto de nuvens negras que não desaguavam suas lágrimas, pensei nas lagostas e nas tais sereias que, por aquela hora poderiam estar me aguardando nas profundezas do mar.
Eu apenas sorri quando voltei com o corpo e o vi recolhendo os pedaços do aparelho para guardá-los em sua mochila de grife.

De fato! Aquele Mister Qualquer Coisa jamais saberia o que era o mar.

Copirraiti16Fav2014
Véio China©